sábado, 14 de novembro de 2009

Realidade social e miragem coletivista (V - Final)

O PROGRESSISMO CONTRA O PROGRESSO

Esse mito de um progreso sem referência à essência nem à existência, sem submissão matafísica nem empírica (e, o que é pior, contradito pela experiência) compromete as condições de um verdadeiro progresso. Porque, da perspectiva progressista, não é o homem que faz a história, é a história que faz o homem. O homem não tem escolha diante do progresso (o slogan "não se detém o progresso" é muito significativo); ele é empurrado por uma força irresistível contra a qual ele nada pode.

Eu me recordo de uma reunião na qual eu tinha emitido algumas dúvidas sobre o radioso futuro que um orador prometia à humanidade. Esse profeta me respondeu: "o que quer que o senhor faça, não mudará nada disso: está já inscrito na história". --- Eu pensei imediatamente nas inscrições gravadas sobre os túmulos. Inscrito, isto é: invariável, irrevogável, que já aconteceu de alguma maneira porque não pode acontecer de outra forma---a imobilidade do passado projetada sobre o futuro, a história conjugada no futuro anterior. Assim desaparece a contingência e com ela a liberdade e, por via de consequência, a melhor chance de um progresso real.

É fácil desmontar o mecanismo pelo qual o messianismo progressista desemboca de fato no fatalismo histórico e na religião do sucesso. Se nós nos persuadimos de que o futuro deve trazer-nos necessariamente o melhor, é preciso proclamar em seguida, para não desmerecer essa fé, que tudo o que acontece é o melhor. Se não há critérios do verdadeiro e do bem acima da história, é o sucesso temporal que decide do verdadeiro e do bem. O fato se identifica ao valor: o fascimo tinha razão na medida em que ele triunfava e o marxismo tem razão hoje na mesma medida. O homem não é mais construtor da história: ele é o seu prisioneiro.

Em face dos malogros e desgraças de seu ídolo, os adoradores do progresso reagem por um ato de fé e de esperança cega. Eles fazem uma transposição das virtudes teologais. Pedem-nos, efetivamente, que creiamos num "deus oculto" (Leon Bloy falava da "falência aparente da redenção"...) e que "esperemos contra a esperança". Eles fazem a mesma coisa em relação ao progresso: tudo vai mal hoje, mas vamos um pouco mais longe no mal e nós encontraremos o bem, pois o progresso não pode mentir. O progresso é concebido como uma espécie de sacramento que regenera indefinidamente a humanidade ex opere operato.

Mas as realidades temporais não fazem parte das coisas que não se podem verificar e nas quais se devam crer, mas daquelas que se podem e que se devem verificar. Elas não suscitam virtudes teologais, mas virtudes morais. Pode-se conceder indefinidamente um crédito a Deus que parece falhar, porque "os pensamentos de Deus não são nossos pensamentos e os desígnios de Deus não são nossos desígnios, masa quem seria tão tolo para abrir um crédito a um comerciante que jamais cessou de acumular bancarrotas?

As virtudes teologais, arrancadas do céu e salpicadas sobre a terra, para cá trazem frutos envenenados. O resultado negativo de tantas revoluções está aí para demonstrá-lo. "A sociedade", dizia Lord Acton, "torna-se um inferno na medida em que se quer fazer dela um paraíso". E tanto mais que a fé cega e incondicional numa humanidade declarada a priori indefinidamente perfectível dispensa, com pouco dispêndio de lucidez, esforços e sacrifícios sem os quais nenhum aperfeiçoamento real é possível.

Concluiremos dizendo que nosso dever essencial é de saber opor, quando for preciso e tanto quanto seja preciso, o senso do homem ao pretenso sentido da história. Ou antes, é o senso do homem (quero dizer, o conhecimento de sua natureza e de seu fim) que nos deve mostrar a direção que é preciso imprimir à história. Porque não há fatalidade histórica. O tempo não é senão um caminho para a eternidade, e este caminho não é traçado com antecedência: é a nós que compete criá-lo cada dia, pelo esforço de nossa liberdade e nossa obediência à graça, através dos obstáculos das contingências, do erro e do pecado. Mas sendo o caminho erigido em fim, cessa de existir como caminho e se torna impasse ou precipício.

Uma frase de Péguy nos servirá de conclusão: "o cristianismo não é uma religião do progresso, é uma religião da salvação". --- A idolatria do progresso compromete a salvação, porque ela desconhece o abismo irredutível que separa a marcha do tempo da entrada na eternidade. Mas, procurando antes de tudo a salvação e velando por acréscimo sobre as condições terrestres dessa salvação cuja fonte não está senão em Deus (a missão temporal do cristão consiste em aplainar e balisar a pista que conduz para o céu), trabalha-se também para a edificação de um progresso social, limitado e realativo como tudo o que pertence ao homem e ao tempo, mas autêntico---esperando o cumprimento de nosso destino na Cidade de Deus que está além do social, do tempo e da morte.