sexta-feira, 29 de abril de 2011

O exílio sem fronteiras

"Os tempos mais incertos são os mais seguros, porque sabemos aquilo a que podemos aternos"--- escrevia, há cem anos, Donoso Cortés. É certo que as épocas tormentosas fazem-nos sentir que a terra não é nossa pátria. Mas os tempos calmos e prósperos não nos dão igual lição? A terra tem duas maneiras de trair os nossos votos: ou recusando-nos os bens que pode dar (saúde, paz exterior, prosperidade material, etc.) ou mandando-no-los com tal abundância que põem em foco a sua vaidade. A bem dizer, esta segunda via é a mais segura: enquanto o homem é privado dos bens aparentes, pode ainda acreditar no seu valor, mas quando, depois de ter comido à farta, sente ainda a fome e o vazio, não tem mais ilusões acerca dos alimentos terrestres. A decepção verdadeiramente incurável não está no revés, mas no rasto do nada que se segue ao êxito. É talvez necessário que o homem esgote todas as possibilidades de sua condição terrestre, para que se convença de que é um exilado.

Mas estas possibilidades são agora inesgotáveis, dirão os adoradores do homem e do progresso. Sem dúvida, será banal ir amanhã passar um "fim-de-semana" na Pérsia ou no Colorado e a terra não será mais do que um arrabalde para os nossos desejos. Mas outros mundos nos esperam e novas conquistas se nos oferecem, ficando a perder de vista as façanhas de Alexandre ou de Colombo --- simples brinquedos de crianças na areia.

Nada mais há além da terra, começava o homem a suspirar, e logo os rumos do céu principiaram a abrir-se...

Surgem duas respostas.

Supondo que tais aventuras sejam possíveis (e é aos homens de ciência e depois aos acontecimentos que pertence decidir) Não encontraremos nós, na pluralidade infinita desses mundos, o que o Evangelho chama o mundo, isto é, o lugar do nosso exílio e das nossas esperanças malogradas?

Suprime-se esse exílio, recuando as fronteiras? Napoleão ter-se-ia sentido menos exilado na imensa Sibéria do que na minúscula Santa Helena? O que quer que seja que façamos ou vamos para onde for, não ficaremos aquém do véu das aparências e na vertente temporal do ser?

Mesmo dilatando até aos confins da via láctea, o nosso vale de lágrimas não mudará de natureza e, quando tivermos alargado o campo da nossa visão a todas as aparências que a vista pode contemplar, nem por isso teremos transposto o limiar do mundo invisível. Nós podemos variar os nossos sonhos até ao infinito, acrescentar inumeráveis decorações ao "grande teatro do mundo": permaneceremos sempre os actores da mesma comédia e as vítimas do mesmo drama, sem ter levantado uma ponta do véu da morte, nem penetrado no mistério da vida incógnita, que se esconde por detrás desse véu...

"A morte vai, pois, tornar-se inútil"! exclamava há um século Vitor Hugo, num pressentimento maravilhoso das viagens futuras do homem entre os astros.

Que modéstia nesta concepção da morte reduzida ao estado de embarcadouro para algum cruzeiro interestelar! A morte não existe para nos revelar o que os olhos não vêem ainda, mas aquilo que jamais eles podem ver...

Assim, este mundo, fabulosamente dilatado, permanecerá incapaz de nos dar o absoluto, que ele não contém e que a nossa alma reclama. Mas poderá apenas dar-nos todas as suas riquezas relativas? Admitindo mesmo que conquistamos o universo, deixaremos de ser homens --- e que meio teremos para ampliar a nossa natureza à medida das nossas conquistas? O limite, o perigo de esgotamento não está no objecto mas no sujeito. Onde encontrar as entranhas aptas a assimilar todos os bens que caírem desta cornucópia estelar de abundância?

Novidades inegotáveis ser-nos-ão oferecidas, mas por que milagre saberemos manter o aguilhão da curiosidade e a embriaguez da descoberta? A experiência demonstra que a extensão das possibilidades materiais provoca em regra a atrofia das faculdades receptivas e que os "esgotados" se recrutam entre os ricos e os poderosos. Se isto é já verdadeiro neste nosso pequeno planeta, que virá a ser na escala do universo? E que oceano de aborrecimento e tédio não espreita os gozadores dum mundo sem margens? O perigo é tanto maior quanto o universo material implica uma concentração quase absoluta do espírito sobre a criação e a prática dos meios materiais proporcionados a este fim e, por conseguinte, (já que o homem não pode expandir-se ao mesmo tempo em todos os sentidos) um esquecimento correlativo das realidades da vida interior: duas coisas que caem a fundo sob o golpe da advertência eterna do Evangelho: "Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se por fim vem a perder a sua alma?" O homem perderá talvez a alma para conquistar o universo e, perante o universo conquistado, será sem alma para o gozar, de sorte que encontrará na sua suprema vitória a mais mortal derrota. Então, mais do que nunca, o que restar da alma deverá voltar-se para o invisível; porque no fundo do universo profanado, Deus esperará sempre a sua criatura. O que se passa actualmente na América, onde os melhores, cansados das facilidades dum mundo sem mistério, se refugiam na vida contemplativa dos claustros, é talvez a prefiguração dos tempos vindouros. O homem, atingindo os limites do possível e sempre prisioneiro do mundo e de si mesmo, não terá outra saída senão do lado do impossível e compreenderá sem remissão que ele foi feito não para o ilimitado, mas para o infinito.

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Aforismo

Abortamento do amor.--- É mais agradável comer do que assimilar, porque a assimilação é um fenômeno obscuro e insensível. Por isso, o ser votado ao prazer único de comer (o que, na ordem psicológica, equivale à procura incessante do novo e à embriaguez da conquista) preocupa-se mais com a escolha dos alimentos do que em assegurar-se uma feliz digestão. A sede de "sensações" que nós temos é de tal natureza que preferimos o que lisonjeia exteriormente o paladar ao que se passa no nosso sangue e se incorpora obscuramente na nossa substância.

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957

terça-feira, 12 de abril de 2011

Le découpage chronologique

Lamentable et révoltant fait-divers: le suicide récent d'une jeune enseignante moralement et nerveusement épuisée par la turbulence et l'agressivité de ses grands élèves. Là-dessus, un journaliste fait remarquer que la torture abolie comme moyen d'investigation juridique, subsiste encore dans les écoles sous forme de l'élève bourreau et du professeur victime.

Le même journaliste voit avec raison la cause première de cette situation scandaleuse dans les lois sur la scolarité obligatoire. Des adolescents qui n'ont ni dons ni goût pour des études prolongées réagissent soit par l'ennui soit par la violence contre l'ingestion forcée de cette instruction indésirable et se vengent de cette brimade sur l'innocent professeur chargé d'appliquer des lois dont il n'est pas l'auteur.

Au nom de quels principes contraint-on des jeunes êtres à apprendre ce qu'ils n'ont aucune envie de savoir et que, à supposer qu'ils l'aient vaguement appris, ils s'empresseront d'oublier des qu'ils s'ébroueront hors de l'école?

De l'égalité démocratique? Passe encore pour l'enseignement strictement primaire (apprendre à lire, à écrire et à compter, comme on disait autrefois), mais au-delà le vieux système des bourses suffisait amplement à donner leurs chances aux meilleurs élèves. Je ne vois rien démocratique dans le fait d'imposer le gavage aux inappétents: le mot tyrannie convient mieux...

De la promotion sociale? Elle s'exerce plutôt à rebours, car en prolongeant la scolarité pour des adolescents mal doués pour les études abstraites, on fabrique à la chaîne des aigris et des révoltés qui perdent sur les deux tableaux: celui de la culture pour laquelle ils n'ont aucun intérêt profond et celui du travail manuel qu'ils n'ont pas appris assez tôt et qu'ils considèrent souvent comme un pisaller, sinon une déchéance.

J'avoue me sentir dans un monde à l'envers quand je vois l'aisance économique et la considération sociale dont jouissent les artisans de mon village (maçons, menuisiers, plombiers, etc.) tandis que leurs enfants traînent leur morosité turbulente sur les bancs d'une école surpeuplée d'où ils sortiront demain minuscules fonctionnaires, sinon chômeurs. De quel côté est la promotion et de quel côté le déclassement?

Peu importe au législateur: la durée de la scolarité est fixée pour tous une fois pour toutes.

De même, sauf exceptions qui deviennent de plus en plus rare, pour l'âge de la retraite. La hache chronologique s'abat indifféremment sur tous, depuis ceux qui, prématurément usés, restent accrochés à des fonctions qu'ils ne sont plus capables de remplir jusqu'à ceux dont les années n'ont pas altéré la puissance de travail et de création. D'où la présence de tant d'inaptes parmi les actifs et le rejet de tant de compétences dans le camp des inactifs. Ce n'est plus la valeur ou la non valeur d'un homme, c'est la date de sa naissance qui décide de son maintien ou de son élimination...

Ainsi, pour les jeunes comme pour les adultes, l'antique légende du lit de Procuste se mue en réalité: on ne mesure pas le temps à l'homme, on étire ou on raccourcit l'homme pour le mesurer au temps...

Je sais que le problème n'est pas simple, dans une société comme la nôtre, de plus en plus régie par les interventions des pouvoirs centraux et soumise à la loi des grands nombres. Les lois, par définition, sont faites pour tous. Peut-être faut-il déplorer qu'elles soient trop nombreuses (nous avons en France 10.000 lois entre nous et la liberté, disait Victor Hugo...) et surtout trop mal adaptées à la pluralité des individus et des groupes. La hache, dont nous parlions plus haut, gagnerait à être assortie de quelques antennes...

On parle beaucoup, dans les sphères officielles, de la qualité de la vie. J'estime que tout progrès dans ce sens implique une rigoureuse attention à la diversité et à la qualité des êtres,---ce qui exclut a priori le découpage uniforme de nos destinées en rondelles symétriques.

Fonte: Revista "Itinéraires" (Billets, 17 décembre 1976)

sexta-feira, 8 de abril de 2011

La conciencia del mal

En cuanto el hombre sabe que peca, hay algo en él que se queda enganchado a la verdad de Dios, y Dios puede cogerlo por ese desgarrón para llevarlo al cielo.
La conciencia del mal es la oportunidad, el germen del cielo en el alma culpable.

Extraído de "Para que Él reine" de Jean Ousset - Speiro, 1972