sexta-feira, 6 de maio de 2011

O elitismo às avessas

Quando me fazem perguntas sobre a promoção social e respondo que ela deve consistir na selecção dos melhores, logo me acusam de "elitista".

O termo é recente e implica uma cambiante pejorativa: espírito e orgulho de casta, desprezo dos humildes, etc.

Redescubramos o sentido das palavras. Elite (de escolhido, eleito), segundo o dicionário, designa "o que há de melhor" nas coisas e nos seres. Assim, os grandes vinhos de Bordéus fazem parte da elite dos vinhos, os famosos "verdes" de Saint Etienne representam a elite dos jogadores de futebol, etc.

Uma vez que concordamos nisto, não é normal preferir e privilegiar o melhor? Será que, para evitar o elitismo, sou obrigado a achar tão saboroso o frango criado com hormonas em aviário como o frango criado no campo? E não é justo que, na sociedade, os melhores lugares sejam para aqueles que se distinguem pelos seus talentos e pela sua actividade e que prestam assim os melhores serviços à comunidade? Não é verdade que os exames escolares, a qualidade do trabalho e a competição profissional actuam nesse sentido? E como não pode existir sociedade sem hierarquia, não é desejável que essa hierarquia assente na selecção e na promoção dos melhores? Para dar o exemplo de casos extremos, seria elitismo suspeito recusar um posto de professor a um analfabeto ou a carta de condução a um cego?

O que me inquieta hoje é o desenvolvimento cada vez mais difundido de um novo elitismo, um elitismo às avessas, resultante de uma falsa noção de igualdade e de uma sentimentalidade transviada, que se manifesta pela preferência dada aos inadaptados, aos inúteis, aos parasitas e, até, aos malfeitores.

Vejamos alguns exemplos desta inversão de valores.

Conheço professores que afirmam que os maus alunos são mais interessantes que os alunos dotados e que recusam energicamente os velhos critérios de selecção: notas, classificações, exames, etc.

Não é verdade que a segurança social --- da qual não contesto o principio humanitário, mas o modo de funcionamento em que florescem o anonimato e a irresponsabilidade --- favorece mais frequentemente os preguiçosos e os trapaceiros em detrimento dos trabalhadores que, fiéis ao seu dever, não sentem necessidade de transformar o menor incómodo de saúde em repouso imerecido e em tratamentos supérfluos?

A inflação vai roendo, em cada dia, os rendimentos e as economias dos produtores. Mas permite aos especuladores realizar lucros enormes sem realizar qualquer trabalho útil, pelo simples jogo das divisas monetárias.

Os malfeitores e os criminosos inspiram maior comiseração que as suas vítimas, uma vez que a sociedade é declarada a priori a grande, senão a única culpada. Já me referi ao caso de uma prisão moderna instalada na Córsega, onde, exceptuada a residência forçada, os detidos gozam de um conforto e de um luxo (praia privativa, centenas de hectares de parque, etc. ) com que a maior parte das pessoas honestas não pode sequer sonhar...

E porque não falar também da atenção e publicidade privilegiadas de que beneficiam os marginais de toda a espécie: "hippies", prostitutas, tarados sexuais, etc.? E do êxito das publicacões e dos espectáculos que abundam nessa linha? Como se, por uma estranha perversão do paladar, a sociedade se tivesse tornado mais gulosa do que a envenena que do que a alimenta...

Termino a série destes exemplos com uma anedota saborosa. Numa universidade estrangeira, cujo nome não cito, dois professores de competência mais ou menos igual apresentam-se à escolha das autoridades académicas como candidatos a uma cátedra. Um deles é um homem perfeitamente equilibrado, o outro um grande nevrótico, titular dos vários diplomas exigidos e também de algumas depressões que comprometeram a sua docência anterior. A cátedra é atribuída ao segundo, com a justificação de que a sua natureza frágil não suportaria a provação da recusa, ao passo que o primeiro é uma pessoa solidamente estruturada para aceitar o revés sem problemas. Compreendo que haja compaixão para com um infeliz. Mas não compreendo a cruel inconsciência em relação ao seu colega, eliminado por causa da sua própria superioridade, e em relação às centenas de alunos que sofrerão mais tarde as consequências de uma escolha desumana por excesso de humanidade.

Assim se afasta a elite fundada sobre o valor para se instalar uma contra-elite: a da escumalha e do rebotalho. Se se continuar a avançar por este caminho, bastará ser superior ou simplesmente normal para merecer a indiferença, se não a suspeita e o desfavor...

Entendam-me bem: não nego que os mais fracos devem ser não só protegidos contra os abusos dos mais fortes mas também ajudados por estes; afirmo simplesmente que não devim ser preferidos e privilegiados como tais; afirmo que a incapacidade e, com maior razão, o parasitismo e as malfeitorias não devem dar direito a tratamento de favor. Ajudem-se os deserdados, reeduquem-se os anormais, mas que as suas falhas e as suas taras não se tornem meios de chantagem e motivos de promoção.

Também sei que é difícil conservar o equilíbrio, mesmo nas sociedades mais sãs, entre os direitos do mais forte (e tomo esta palavra no seu sentido mais elevado: força da inteligência e da vontade, capacidade de acção, etc.) e o dever de socorrer os mais fracos e os transviados --- entre a lei da selva que elimina implacavelmente os inadaptados e um humanitarismo deliquescente que consagra e incentiva a incompetência e o vício. Mas nem por isso deixa de ser verdade que --- e esse é um dos perigos do nosso liberalismo dito "avançado" --- se continuar a generalizar-se esse deslocamento da elite de cima para baixo, é toda a sociedade a correr o risco de se afundar sob o peso desta promoção às avessas que é a promoção dos inúteis e dos parasitas.

Fonte: "viriatos.blogspot.com"
Original em francês:
oequilibrioeaharmonia.blogspot.com/2009/11/lelitisme-renverse.html

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Conhecer a vida

"Vós não conheceis a vida": é a censura corrente que os homens de acção e de experiência dirigem aos homens de estudos e de espiritualidade. E, certamente, há uma certa razão para denunciar o erro dos sistemas de ensino e de educação que repousam sobre uma iniciação puramente teórica e livresca, que não tem em consideração o contacto directo e pessoal com os seres e as coisas. Mas o erro oposto existe também, e acontece que a experiência material mais audaciosa apenas nos dá sobre a verdadeira realidade da vida um saber abstracto e desincarnado.

"Conhecer a vida..." que é que isso significa? Os acontecimentos da vida têm o sentido que nós lhes damos: dependem da nossa interpretação criadora. Desde que as necessidades alimentares ficam satisfeitas, as coisas e os factos não passam de sinais espirituais, de instrumento do nosso pecado ou do nosso amor. A necessidade de comer é um facto. Mas por que é que o sibarita muitas vezes come quando já não tem fome e o asceta recusa a comida mesmo tendo-a? A polaridade sexual é outro facto. Mas nós podemos aceitá-la como um prazer ou repeli-la como uma escravização, desfigurá-la pelo deboche ou transfigurá-la pelo amor. Os factos são materiais plásticos que recebem a sua forma do nosso acolhimento interior, oferecem-se-nos, como os sons se oferecem aos músicos, mas a chave da harmonia está na nossa alma; aos apelos que nos ferem, responderemos por um eco em que vai o acento da nossa própria vida. O que se chama experiência é o reencontro do mundo exterior, que fornece a matéria, com o mundo interior, que cria a forma e o sentido. A massa vem-nos de fora, mas é o fermento, que tiramos de nós próprios, que faz dela um alimento mais ou menos nutritivo --- ou um veneno.

"O odor das flores não sopra contra o vento, mas sopra o perfume da virtude". Este texto hindu exprime admiràvelmente o que no homem há de indeterminado e de criador em relação às forças cósmicas e aos acontecimentos. O espírito não depende da direcção do vento: sopra donde quer. Foi Adão que deu um nome, e, por conseguinte, um sentido, aos seres e às coisas.

Medimos assim a fraqueza e a miopia dos métodos de educação fundados apenas sobre a experiência dos factos. Em psicologia, não há factos virgens, mas sòmente factos fecundados. Daqui a necessidade de vigiar sobre o elemento fecundante, isto é, sobre o espírito e a liberdade, ao menos, tanto como sobre o elemento fecundado. A iniciação, para os antigos, consistia mais num ensino espiritual e doutrinal do que na experiência material da vida. Porque há qualquer coisa mais importante do que "conhecer a vida": é conhecer o sentido da vida. Ora, tal sentido tanto pode sentir-se no meio da solidão mais virgem, como ignorá-lo depois de ter feito todas as experiências possíveis. Se o conhecimento resultante da prática de actos materiais bastasse para tudo, uma prostituta saberia mais sobre o amor que Heloisa ou Júlia de Lespinasse. "Um imbecil que passa a vida ao lado de um sábio não compreende melhor o sentido da sabedoria do que a colher o sabor da sopa", diz um outro adágio oriental. E que te importa provar de todas as bebidas, se a impureza da tua boca lhes desnatura o sabor, ou ver desfilar diante de ti todas as paisagens do universo, se tu não levas nos olhos o brilho que lhes desvenda a beleza? A suficiência vulgar e a ignorância profunda de tantos homens carregados de experiência (penso particularmente em certos grandes viajantes e sedutores) provém de que eles confundem o contacto passivo com um estremecimento que fecunda; se a colher pudesse pensar e falar, a sua "intimidade" permanente com a sopa dar-lhe-ia a ilusão de que a sopa já não tinha segredos para ela! A experiência material é o caminho, o espírito é a lanterna, e não é conhecer a vida tropeçar nas bordas do caminho sem ver mais do que poeira ou lama...

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957

terça-feira, 3 de maio de 2011

Prólogo do livro "El silencio de Dios"

Este libro es un testimonio. No "al sol que más calienta", sino a los astros que fueron ayer estrellas fijas de nuestro destino y que están hoy desapareciendo de nuestro horizonte. Un testimonio en favor del hombre eterno contra los ídolos que ha segregado nuestra locura y que devoran nuestra propria sustancia. Un grito de alarma profético frente al inmenso suicidio colectivo que nos amenaza y que se reviste euforicamente de los bellos nombre de progreso, de sentido de la historia, de liberación, de democracia, cuando no de ecumenismo o de aggiornamento.

Por ello, este libro posee todas las virtudes de la novedad. En un siglo en que reina el conformismo del absurdo y del desorden, en que el ídolo de la revolución permanente se ha convertido en centro de atracción para los rebaños de esclavos teledirigidos, nada hay más nuevo ni más insólito que predicar el retorno a las fuentes y defender la naturaleza y la tradición.

Nunca como hoy el genio de una época se ha aplicado a la destrucción minuciosa de su propria Ciudad humana (de sus valores y de su sentido) hasta el extremo paradójico de que el conformismo ambiental se expresa hoy por la actitud revolucionaria, y que la posición insostenible, heroica, ha llegado a ser la conservación y la fidelidad. (Del capítulo I de este libro).

La Ciudad de los hombres que defiende Rafael Gambra estaba hecha de un conjunto de lazos vivos y vividos que, a través de los diferentes niveles de la creación, mantenían al hombre unido a su origem y le orientaben hacia su fin. La casa, la patria, el templo, le protegían contra el aislamiento en el espacio; las costumbres, los ritos, las tradiciones, al hacer gravitar las horas en torno a un eje inmóvil, le elevaban por encima del poder destructor del tiempo.

Hoy estamos presenciando la agonía de esta Ciudad de los hombres. El liberalismo, al aislar a los individuos, y el estatismo, al reagruparlos en vastos conjuntos artificiales y anónimos, han tranformado a la socieda en un inmenso desierto cuyas ciegas arenas son arrebatadas el los torbellinos del viento de la historia. Y el hombre, víctma de este fenómeno de erosíon, no tiene ya morada en el espacio (se ve, a la vez, en prisión y en destierro), ni punto de referencia en un tiempo por el que corre cada vez más deprisa sin saber adónde va.

Las cidades de antaño, al enlazar al hombre con las realidades visibles e invisibles, le ayadaban a elevarse sobre sí mismo. Hoy día, el ideal que se le propone no es vertical, sino horizontal: está en la carrera misma, en la "huida hacia adelante", y no en el crecimiento espiritual. En lugar de intentar reproducir un arquetipo eterno, hay que dejarse arrastrar por un movimiento perpetuo y siempre acelerado. Psicólogos y sociólogos "al día" nos hablan sin cesar de la "mutación radical exigida por los progresos de la técnica y de la socialización". En este puento, los luminosos análisis de Rafael Gambra sobre la aceleración de la historia coinciden con los recientes juicios de una joven fiósofo francesa, Françoise Chauvin:

[...] los hombres han deseado siempre cambiar; pero en otro tiempo deseaban ese cambio para acercarse a aquello que no cambia, al paso que hoy quieren cambiar para adaptarse a lo que de continuo cambia... Ya no se trata de ganar altura, sino de llevar la delantera; no de superarse, sino de no dejarse adelantar.

El hombre se encuentra así reducido al más pobre de sus atributos, al más próximo a la nada: el cambio indeterminado, sin principio y sin objecto...

Que este tipo humano, así fabricado en el laboratorio del progreso y de la democracia abstracta goce de un nivel material incomparablemente superior al de sus antepasados; que pueda esperar, en un porvenir más o menos próximo, verse libre de la miseria, de la enfermidade y de la guerra, poco importa: habrá perdido esos dos bienes esenciales para él e irreemplazables que son el arraigo y la continuidad; y, con ellos, la posibilidad misma de ejercer las más altas virtudes del hombre: el amor y la fidelidad. "¿Cómo ser fiel a un flujo o evolución permanentes? ¿Cómo amar lo abstracto conceptual que no tiene forma o figura humana ni divina?" (capítulo IX de este libro). Aún peor, ni siquiera se acordará del bien perdido: "pierde lo esencial sin darse cuenta de que lo ha perdido" (Saint-Exupéry). Asegurado contra todos los riesgos, quedará al mismo tiempo insensibilizado a todas las promesas. Acuden a la mente los versos de Machado: soledad de barco, sin naufragio y sin estrella...

Las páginas más emocionantes y más dolorosas de este libro son aquellas en las que el autor analiza los efectos de este proceso de desintegración en el seno de la Iglesia católica. El progresismo católico corta los puentes (Simone Weil diría los metaxu) entre el hombre y Dios, la tierra y el cielo. Una religión que disuelve lo eterno en la historia y que rechaza, como adherencia de un pasado para siempre concluso, prácticas y ritos que son el ponto de inserción de lo infinito en el espacio y de lo eterno en el tiempo... tal religión no será más que un vago humanitarismo, sin forma y sin contenido. En ella, la prostituición a los ídolos del siglo se reviste del vocablo halagüeño de "apertura al mundo"; la mescolanza y la confusión se presentan como un progreso hacia la unidad; la deserción se disfraza de "superación". ¿Cómo no evocar las líneas proféticas de Dostoievski?:

cuando los pueblos comienzan a tener dioses comunes, es signo de muerte para esos pueblos y para sua dioses... Cuanto más fuerte es un pueblo, más difiere su Dios de los otros dioses... Cuando muchos pueblos ponen en común sus nociones del bien y del mal, es entonces cuando la distición entre el bien y el mal desaparece.

Las antiguas formas de la sociedad, al impregnar de sagrado casi todas las manifestaciones de la vida temporal, hacían el tiempo permeable a lo eterno y a Dios presente en la historia. Pero esta alianza de le social y lo divino se desmorona en cuanto el hombre no reconoce otro dios que él mismo, ni otra patria que el mundo temporal transformado y desfigurado por sus manos. Y se acerca a grandes pasos la hora en que la idolatría del porvenir le ocultará la eternidad.

Ésta será, sin duda, para los últimos fieles, la suprema prueba de la fé. La pureza, el heroísmo de esa fe se medirán por la resistencia del pneuma divino, interior y libre (spiritus fiat ubi vult) al viento servil de la historia. Ante el silencio de Dios, los creyentes de mañana tendrán quizá que elegir entre la realidad invisible de una eternidad en aparencia sin porvenir y el espejismo brillante de un porvenir sin eternidad.

Bérulle definía el hombre como "una nada capaz de Dios". Pero he aquí que ese hombre se transforma cada vez más en un falso dios, incapaz del Dios verdadero. ¿Llegaremos hasta el término de esta subversión y habrá que desesperar de la Ciudad de los hombres? Rafael Gambra se complace en repetir las palabras demasiado lúcidas de Taine: "ningún hombre sensato puede ya esperar". Pero no olvidemos (cito de nuevo a Françoise Chauvin) que "la lucidez es la peor de las cegueras si no se ve nada más allá de aquello que se ve". El cristiano, a imitación del apóstol San Pablo, está obligado a esperar contra toda esperanza (contra spem in spe), porque Cristo ha vencido al mundo y esta victoria abarca la totalidad del tiempo y del espacio. Y, por inciertas que sean las probabilidades de éxito, nuestra misión aquí abajo consiste en restaurar pacientemente, en nosotros y en torno nuestro, las condiciones para una restauración de la Ciudad de los hombres; es decir, en preparar un porvenir a la eternidad.

Con este llamamiento se acaba este bello libro. Nuestro deseo más ferviente es que sea escuchado, en el secreto de las almas, como un eco del silencio de Dios.

Gustave Thibon

Fonte: "El silencio de Dios", Autor: Rafael Gambra - Ciudadela, 2007

Situações excepcionais

A inesgotável fórmula de Hermes: "O que está no alto é como o que está em baixo", verifica-se em todas as situações que saem da medida comum e dos casos admitidos; chamam-se a lama ou a auréola: podem interpretar-se segundo os efeitos que produzem, mas a interpretação deriva sobretudo do estado de alma daquele que os julga, tanto no sentido do sórdido como do sagrado. Assim, a união de uma jovem e um velho, contada no livro de Ruth, dá lugar à interpretação mais baixa (uma jovem pobre e descarada que seduz um velho libidinoso) como ao poema sublime de Booz adormecido, onde Deus suspende, por um milagre, as leis da natureza e da sociedade. Um tal desvio de apreciação é inconcebível diante do casamento de dois jovens "sob todos os aspectos". De igual modo, a Sibila ou o Profeta podem ser considerados como mensageiros do céu ou como impostores ou dementes. E, certas línguas (como, por exemplo, o provençal) só têm um palavra para designar o inocente e o louco. E de Cristo disse alguém que entrou no mundo pela porta do adultério e saiu dele pela duma condenação infamante. Mas o mistério do seu nascimento é o da Incarnação, e o da sua morte é o da Redenção.

Aqueles que Nietzsche chama os "sábios ilustres", que são os primeiros a marchar pelo caminho da ordem e da lei, e "fazem avançar o carro do povo", jamais serão arrastados na lama, ou exaltados nos céus, mas um Nietzsche será sempre considerado como um monstro ou um profeta.

Tudo o que rompe com a ordem, o uso e o senso comum, flutua nos limites do infame e do transcendente ("Esmaguemos o Infame" dizia Voltaire falando do divino...) e expõe-se a todos os riscos desta ambivalência. O abjecto e o divino acotovelam-se, e a Face de Cristo recorda, ao mesmo tempo, os escarros e os resplendores. Um Deus feito homem, só pode ser adorado ou pisado aos pés como um verme: ego sum vermis et non homo.

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957