A inesgotável fórmula de Hermes: "O que está no alto é como o que está em baixo", verifica-se em todas as situações que saem da medida comum e dos casos admitidos; chamam-se a lama ou a auréola: podem interpretar-se segundo os efeitos que produzem, mas a interpretação deriva sobretudo do estado de alma daquele que os julga, tanto no sentido do sórdido como do sagrado. Assim, a união de uma jovem e um velho, contada no livro de Ruth, dá lugar à interpretação mais baixa (uma jovem pobre e descarada que seduz um velho libidinoso) como ao poema sublime de Booz adormecido, onde Deus suspende, por um milagre, as leis da natureza e da sociedade. Um tal desvio de apreciação é inconcebível diante do casamento de dois jovens "sob todos os aspectos". De igual modo, a Sibila ou o Profeta podem ser considerados como mensageiros do céu ou como impostores ou dementes. E, certas línguas (como, por exemplo, o provençal) só têm um palavra para designar o inocente e o louco. E de Cristo disse alguém que entrou no mundo pela porta do adultério e saiu dele pela duma condenação infamante. Mas o mistério do seu nascimento é o da Incarnação, e o da sua morte é o da Redenção.
Aqueles que Nietzsche chama os "sábios ilustres", que são os primeiros a marchar pelo caminho da ordem e da lei, e "fazem avançar o carro do povo", jamais serão arrastados na lama, ou exaltados nos céus, mas um Nietzsche será sempre considerado como um monstro ou um profeta.
Tudo o que rompe com a ordem, o uso e o senso comum, flutua nos limites do infame e do transcendente ("Esmaguemos o Infame" dizia Voltaire falando do divino...) e expõe-se a todos os riscos desta ambivalência. O abjecto e o divino acotovelam-se, e a Face de Cristo recorda, ao mesmo tempo, os escarros e os resplendores. Um Deus feito homem, só pode ser adorado ou pisado aos pés como um verme: ego sum vermis et non homo.
Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957
Aqueles que Nietzsche chama os "sábios ilustres", que são os primeiros a marchar pelo caminho da ordem e da lei, e "fazem avançar o carro do povo", jamais serão arrastados na lama, ou exaltados nos céus, mas um Nietzsche será sempre considerado como um monstro ou um profeta.
Tudo o que rompe com a ordem, o uso e o senso comum, flutua nos limites do infame e do transcendente ("Esmaguemos o Infame" dizia Voltaire falando do divino...) e expõe-se a todos os riscos desta ambivalência. O abjecto e o divino acotovelam-se, e a Face de Cristo recorda, ao mesmo tempo, os escarros e os resplendores. Um Deus feito homem, só pode ser adorado ou pisado aos pés como um verme: ego sum vermis et non homo.
Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957