domingo, 31 de outubro de 2010

Como se esculpem as almas

Se o ser que vive mais perto de nós (uma esposa, um amigo íntimo) nos cerca constantemente de doçura, de compreensão, de paciência, de admiração, um tal clima tem o inconveniente de desenvolver perigosamente os lados medíocres ou vulgares da nossa natureza (orgulho, autoritarismo, insolência, etc.) e de deixar no estado de esboço as nossas mais altas possibilidades. Para que estas tomem forma, é preciso que em lugar de se enterrarem na argila mole de uma ternura a toda a prova, se choquem contra algo de duro e contundente. É evidentíssimo que a "boa massa" de um carácter inteiramente delicado e sensível não poderia prestar-nos este serviço: somos nós que a marcamos, não é ela que nos marca. Isto não significa que tenhamos mais interesse em viver junto dum ser absolutamente fechado e intratável: um tal contacto leva à revolta ou ao servilismo; endurece ou avilta, mas, em ambos os casos, deforma, em vez de aperfeiçoar. A questão é mais subtil. "A alma irmã", é um ser ao mesmo tempo muito próximo e muito diferente de nós, amante e fiel, mas cheio de exigências superiores, que nos impedem de adormecer numa felicidade ou numa virtude medíocre, e cuja conquista, segura na profundidade e sempre ameaçada à superfície, nos convida constantemente a superar-nos. Só um tal ser,---cortante como o diamante, mas duro e precioso como ele---pode operar em nós esta maravilhosa estrutura do carácter e do amor.

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957

sábado, 30 de outubro de 2010

Prólogo do livro "O olhar que se esquiva à luz"

Como falar aos homens? perguntava Saint-Exupéry, um pouco antes de entrar no silêncio eterno. É o tormento de todo o homem que escreve, não para acumular palavras nem mesmo para espalhar ideias, mas para repartir com os seus irmãos uma verdade e um amor mais vivos em si do que ele próprio. Onde estão as palavras que atingem o ser na sua origem, ou como encontrar as palavras que levam além das palavras?

E primeiramente, que é o homem? Uma coisa que pensa e que ama e, ao mesmo tempo, que vai morrer e não o ignora. Pouco importa que ele se afadigue a esquecê-lo e procure defender-se de todas as aparências da morte: os olhos da alma não se cansam como os olhos do corpo, como ele não desconhece. A sua única certeza, a única promessa que não falhará é o paradoxo duma vida cuja suprema verdade está na morte. Todos nós havemos de morrer, eu que falo e vós que me escutais---e entre nós é vã toda a palavra que não tem eco nesta última morada da alma, onde reina já a morte imortal. Entre os ruídos do mundo, só tem sentido a voz solitária que sabe despertar no homem o Deus adormecido.

* * *

Não somente o Deus que dorme, mas também o Deus que sonha, o Deus que se procura às apalpadelas entre as sombras que o escondem e as falsas claridades que o deslumbram.

Seja o que for que ele fizer, que se aferre ao passado ou corra para o futuro, que se procure ou se evada, que se abandone ou retraia, na sua virtude como no seu pecado, na sua sabedoria como na sua loucura, o homem tem apenas um fim e uma ambição: escapar às malhas do tempo e da morte, projectar-se para além de si próprio, ser algo mais do que um homem. A sua verdadeira morada é para lá do espaço, a sua pátria reside fora das fronteiras que a limitam. Mas a sua desgraça quer---e aqui jaz a causa desta perversão que nós chamamos erro, pecado ou idolatria---quer, iludido por aparências e procurando o eterno ao nível do efêmero que passa, ele se afaste ainda mais desta unidade perdida, desta perfeição entrevista em sonho.

Seria preciso mostrar aos homens de que realidade divina o seu sonho e o pressentimento e o túmulo. Fazer-lhes sentir que a fome de Deus nutre aquilo que eles julgam ser mais estranho ao divino: as suas diligências quotidianas, as suas paixões terrestres, o seu próprio materialismo, porque a matéria apenas tem valor como signo do espírito. Na realidade, toda a gente procura Deus, porquanto toda ela quer encontrar na terra aquilo que a terra não pode dar-lhes; toda a gente procura Deus, porque toda ela procura o impossível. Se a luz surge, se o despertar se produz, todos os "quiproquós" de sonho se desvanecem e todas as coisas retomam o seu verdadeiro lugar, na claridade restabelecida. Os próprios ídolos deixam de ser ídolos, tornando-se transparentes: o véu atravessado pela luz já não é um véu; a simplicidade do olhar faz desaparecer o dualismo entre o tempo e a eternidade.

* * *

Se o supremo valor do homem está para além do humano, e na aspiração, tácita ou manifesta, para o ser inefável, que um Padre da Igreja grega chama "O Além de tudo", o nosso século não parece indigno do ósculo da eternidade. Jamais, talvez, o homem se houvesse sentido tão pouco à vontade nos seus limites como hoje: como desintegrou os átomos e fez explodir nele todas as dimensões do humano, esvaziou-se de tal maneira do seu equilíbrio natural e das suas seguranças terrestres que não pode já ser retido no pendor do nada senão pelo contrapeso do absoluto. O grande signo do nosso tempo é a revelação da inanidade dos compromissos, das meias medidas, das virtudes utilitárias e ornamentais. O dilema: Deus ou nada, não se apresenta já como um tema de dissertação filosófica ou rasgo oratório; penetrou até a medula da nossa carne e da nossa alma, pôs-se com a urgência de uma manobra de salvamento a bordo de um navio em perigo.

Esta manobra é tão simples que desafia todas as palavras. Basta abrir os olhos até a alma e deixar-se penetrar pela evidência. Eu não trago para aqui nenhuma receita nova, nenhuma fórmula original na arte da salvação: pobre, na realidade, de tudo o que falta ao homem, e rico em potência do bem infinito que Deus oferece a todos, não me exceptuo da miséria comum, nem da comum esperança, e não sinto em mim qualquer privilégio para revelar aos outros o segredo que eles trazem consigo: a minha única ambição é convidar aqueles que me lerem a fazer coincidir o seu olhar com a gota de luz eterna que é o vestígio e o germe de Deus no homem. Porque a morte---o único futuro isento de mentira---nos espera, seguindo a altitude dos nossos votos e esperanças como uma nova ou como um algoz, e de todos os movimentos da nossa alma, nada subsistirá além da nossa participação naquilo que, não tendo origem no tempo, não morrerá com ele. Cronos não devora senão os seus próprios filhos.

Este cuidado do bem nu e transcendente tornou-me, porventura, por vezes, nimiamente severo para com certos valores temporais que correspondem a indiscutíveis necessidades, mas que a idolatria dos homens transforma incessantemente em refúgios contra o infinito. Quero falar não sòmente dos inumeráveis compromissos morais e sociais, mas também de todas as virtudes humanas que não ocultam no fundo delas próprias não sei que amargura de exílio e o germe do poder de se ultrapassarem. E que dizer, então, dos ídolos que pertencem especialmente ao nosso século e que captam a seiva religiosa ainda mais perto das raízes: o conformismo do não conformismo que faz da revolta uma escravidão e da evasão um cárcere, o mito do progresso e do "sentido da história" que afoga a eternidade nas vagas do tempo, o mito do social que é a negação e a máscara da caridade?

Regozijava-me há pouco de ver o homem bastante despojado de si mesmo para só ter recursos em Deus. Mas outras vezes pergunto-me se ainda lhe resta bastante substância humana para que o divino possa enxertar-se nele. A violação generalizada dos ritmos da natureza e da vida, a extinção progressiva das diferenças e hierarquias, o indivíduo transformado em grão de areia e a sociedade em deserto; a sabedoria substituída pela instrução, o pensamento pela ideologia, a informação pela propaganda, a glória pela publicidade, os costumes pelas modas, os princípios por receitas, as raízes por varas; o esquecimento do passado a esterilizar o futuro; a perda do pudor e do sentimento do sagrado; a máquina sobrepondo-se à alma e modelando-a à sua imagem---todos estes fenómenos de erosão espiritual aliados ao orgulho prometeano das nossas conquistas materiais não nos farão correr o risco de sermos conduzidos até este grau de esgotamento nas coisas vitais e de suficiência no artífice, acima do qual a piedade de Deus assiste, impotente, às decadências do homem?

Mistral, num clarão profético, fala algures de empolas que se enchem e de peitos que se esvaziam. A expressão diz tudo. Diante destas multidões humanas arrancadas ao seio maternal da natureza, e que, alimentadas de fumo, perderam até o desejo dos verdadeiros alimentos, volto-me com uma nostalgia angustiante para a saúde biológica, para as virtudes elementares, para as tradições experimentadas---tudo o que representa a vida, mesmo debaixo das suas formas mais inferiores---esta vida que a graça quebra e transforma, mas da qual tem necessidade, como o lavrador precisa da terra que ele atormenta, a fim de lhe confiar a semente. A "degradação vivo em mecânico", de que falava Bergson, vemo-la cumprir-se sob o nosso olhar com uma amplidão e uma rapidez que mais relevam da mecânica do que da vida: ela triunfa na elaboração deste tipo de humanidade anónima, feito de imaginação passiva e inteligência desincarnada, que nós chamamos o homem das multidões---aquelas multidões no seio das quais os indivíduos que não se assemelham a coisa alguma se parecem todos uns com os outros. Cada época produz obras que são o reflexo da sua alma: nós vivemos na nossa o estádio da máquina de pensar. Não seria, para os psicotécnicos e especialistas da "violação das multidões" o ideal protótipo da humanidade futura? Ora, Deus é a vida---e o vivo enxerta-se no vivo e não sobre o mecânico.

* * *

Quando falo do divino e do transcendente, estas palavras evocam, para mim, não uma categoria do pensamento ou uma aspiração da alma, mas um ser tão real como inefável: o Deus cristão, o Deus católico.

Que o facto de eu pertencer à Igreja visível não se manifeste sempre muito claramente nos meus escritos, esta censura, que por vezes me tem sido feita, não é inteiramente injustificada: não se trata em todo o caso de respeito humano nem de tibieza, mas de não sei que pudor na fé que desejaria fazer adivinhar a alma da Igreja antes de desvendar-lhe o corpo. Deus me livre, além disso, de os separar um do outro! Tenho pela armadura social e oficial da Igreja todo o respeito que se deve às coisas necessárias ao suporte das coisas perfeitas. Não reverencio as aparências exteriores que revestem e designam uma tão bela realidade. Mas, enfim, neste corpo místico de Cristo que nenhum de nós pode abraçar na sua extensão, nem penetrar na sua profundeza, é permitido preferir o sangue ao esqueleto e a carne à vestidura. E eu relembro ainda uma vez que preferência não significa exclusão...

Nada em mim tem a pretensão de representar a Igreja. Quando muito, posso desejar servi-la, e o mais indirecta e invisivelmente possível. A minha linguagem não é a do teólogo, nem a do moralista; não é a mim que incumbe traçar os limites do aprisco nem do campo de pastagem do rebanho de Cristo, e os meus votos seriam ouvidos, se, aquém e além do aprisco, algumas ovelhas pudessem encontrar na minha voz um eco logínquo, mas não infiel, do amor e da esperança do Pastor divino.

A Igreja militante tem os seus quadros oficiais e o seu exército regular. Mas possui também os seus voluntários, os quais guerreiam nas fronteiras, e às vezes até mesmo para lá das fronteiras. Não se servem das mesmas armas de que os soldados se servem, nem falam sempre a mesma linguagem que eles falam. Basta que tenham a mesma fé e o mesmo amor. E Deus reconhecerá os seus, com uniforme ou sem uniforme.

A tentação que espera os voluntários é da indisciplina e do individualismo. A que ameaça as tropas regulares é a queda num conformismo, em que o social tem maior parte do que o divino. Mas, quem escolheu o seu caminho, escolhe também os riscos que deverá vencer...

* * *

Seria engraçado que um filósofo da transcendência recusasse ser transcendente. O meu desejo é menos trazer um ensinamento do que suscitar um diálogo. Não sou daqueles "mestres do pensamento" cuja autoridade, repelindo toda a discussão, impõe o seu jugo e os seus limites ao pensamento dos outros. Se eu ambicionasse uma cátedra, seria a que ensina a pensar. E não necessàriamente no sentido em que eu próprio penso. Prefiro uma contradição viva a uma aprovação morta. "Não se tem grande reconhecimento por um mestre, quando se ficou sempre discípulo", dizia Nietzsche, com a suprema humildade do orgulho, aterrado pela verdade inacessível. As ortodoxias privadas inspiram-me tanto temor como piedade: elas traem primeiro, congelando o que deve ser uma nascente, o pensamento a que se agarra a sua fidelidade servil. Mais me interessa ser ultrapassado do que seguido. A verdadeira influência não consiste em modelar por fora o espírito de outrem à nossa imagem, mas em despertar nele o artista latente que esculpirá do interior uma estátua imprevisível ao nosso pensamento e talvez estranha aos nossos interesses.

* * *

Sabe-se, desde Sócrates, que a filosofia é a aprendizagem da morte. Esta perspectiva só parecerá fúnebre àqueles que vêem as coisas ao inverso. Se a morte amadurecesse nas almas como amadurece nos corpos, iríamos para ela como a flor se abre à luz, e a vida deste mundo, londe de ser ensombrada pela sua aproximação, mergulharia já num brilho transfigurador, porque as coisas do tempo são permeáveis à eternidade de Deus, que está simultâneamente para além de tudo e é presente a tudo. Não me cansarei jamais de citar uma das expressões mais salvadoras que têm sido proferidas pelos lábios humanos: a de Santa Catarina de Sena, respondendo a alguém que se queixava de ser esmagado por tarefas temporais: "Somos nós que as tornamos temporais, porque tudo procede da bondade divina". Na verdade, o conflito entre a terra e o céu apenas existe ao nível da nossa cegueira. Não é a luz que falta ao nosso olhar, é o nosso olhar que falta à luz. Felizes os corações puros, porque eles verão a Deus. E vê-lo-ão por toda a parte, pois está em toda a parte. As coisas do tempo apresentam-se-nos primeiramente como uma ilusão e uma prova: dissipada a ilusão, vencida a prova, logo elas nos revelam o seu lado eterno, o seu sentido divino. O mundo encontra na alma dos santos a unidade sagrada da sua origem. Deus reina nesta unidade, segundo a palavra do Evangelho, tanto na terra como no céu, Fora desta redenção, a existência temporal é apenas passatempo absurdo e fastio mortal. Tal é o sentido da frase que conclui e resume este livro: Tudo o que não é eternidade encontrada, é tempo perdido.

30 de março de 1957
Saint-Marcel-d'Ardèche.


Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957
Tradutor: Pe. Joaquim Tomás
Título original em francês: "Notre regard qui manque a la lumière"

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Los sepulcros ennegrecidos

Se dice que la literatura de imaginación (novelas y obras de teatro) refleja las costumbres y la mentalidad de una época. Quiero creer que esta opinión es exagerada: si no, viviríamos en el período más desolador de la historia. Pues he aquí que desde hace al menos un cuarto de siglo, la mayoría de las obras literarias se presentan bajo el signo de la asfixia y de la náusea.

Termino la lectura de dos o tres recientes bestsellers. A cada página nos hundimos en el más tenebroso pesimismo. Uno de esos libros---redactado en forma autobiográfica---nos cuenta las miserables experiencias de un individuo, hastiado de todo y de sí mismo, que describe su boca---vista en el espejo al afeitarse---como una abertura grotesta y maloliente, y que para lo más que sirve es para meter en ella el cañon de un revólver. Y todo lo demás, por el estilo.

No nos inquietemos. El autor se librará de esta desesperación al dejar de escribir: aún mejor, la convertirá en éxito y en dinero. Y los periódicos hablarán durante largo tiempo de sus libros y publicarán su fotografía---la de una cara con rasgos tranquilos y sonrientes---antes de anunciar su suicidio.

Ha habido muchas burlas de la literatura llamada "edificante", con su visión unilateral y prefabricada de la existencia, donde sólo florecen los buenos sentimientos y donde la virtud siempre es recompensada. Se vuelve a encontrar el mismo prejuicio y las mismas convenciones en la literatura disolvente, casi con la única diferencia de que sustituye la visión rosa por la negra y el almíbar por el vinagre. Pero el vinagre es tan artificial, tan químicamente elaborado como el almíbar.

Se diría que todos estos autores se han puesto de acuerdo para persuadirnos de que la vida no es más que un tejido de vulgaridades y de impurezas. Pienso el en viejo método Coué, de moda a principios de siglo, que consistía en repetirse de la mañana a la noche, para recobrar la salud y la felicidad: todo va bien, todo va muy bien, todo va cada vez mejor. Nuestros "desesperados" literatos parecen practicar, en sentido inverso, la misma autosugestión: todo va mal, todo va muy mal, todo va de mal en peor. ¡Como si la vida no tuviera bastantes pruebas reales y necesitásemos de quienes nos impulsen por la pensiente de la amargura y del abatimiento!

Pero, repito, todo ese pesimismo no es más que pacotilla verbal, reservada para la exhibición y la exportación. Antes, la hipocresía consistía en parecer mejor de lo que se era; hoy consiste en parecer peor. Cristo trataba de "sepulcro blanqueados" a los fariseos que esgrimían falsas virtudes. Ante la afectación y la puja que hace estragos actualmente en la exhibición de los bajos fondos del ser humano, se nos viene a la cabeza la expresión sepulcro ennegrecido.

Se me dirá que confundo moral y literatura, que un escritor, incluso si presenta su obra bajo la forma de una confesión personal, no está obligado a experimentar los sentimientos que expresa y que todo lo que se le pide, exactamente como al actor en el escenario, es representar bien el papel que ha escogido, es decir, dar la ilusión de la verdad. Y que esta constatación elemental debe ser suficiente para inmunizar a sus lectores contra una desesperación ostentada tan complacientemente, pues una enfermedad fingida no puede ser contagiosa.

Es este último argumento lo que yo niego. Si resulta demasiado evidente que, en el plano material, no se puede comunicar más que lo que realmente se posee (por ejemplo, si simulo tener cólera, no lo contagiaré a nadie), en el orden espiritual, por el contrario, la ficción puede engendrar la realidad. Y en cualquier sentido: se cita el caso del célebre predicador quien, según su propria confesión, nunca hizo tantas conversiones como después de haber perdido la fe. La desesperación literaria tiene a veces los mismos efectos. A fuerza de ennegrecer el cuadro de la existencia, también se puede ennegrecer, es decir, terminar por desmoralizar a seres débiles o demasiado receptivos, sobre todo a jóvenes todavía no vacunados, por la prueba de la realidad, contra los sortilegios de la literatura. Podría citar algunos casos de suicidio provocados por la lectura de obras cuyos autores murieron ciertamente en su cama tras una larga y brillante carreta de ilusionistas. Es en terreno donde los simuladores llegan a desencadenar verdaderas epidemias.

No niego a los escritores el derecho a pintar el lado sombrío del destino. Sólo hago ver que abusan de ese derecho. Siendo la vida una mezcla de proporciones variables de bien y de mal, donde se mezclan motivos de esperanza y de desesperación, es una ofensa a la realidad el reducirla a su aspecto negativo. Dirigiéndose a los pesimistas de su época, Hugo escribía:

Vous voyes l'ombre, et moi je contemple les astres;
Chacun a sa façon de regarder la nuit...
("Veis la sombra y yo contemplo los astros;
cada uno tiene su manera de mirar la noche...")

Yo, por mi cuenta, encuentro que la noche en que andamos es ya suficientemente espesa como para que sea necesario añadir la niebla de un pesimismo ficticio que, al quitar a las tinieblas su nitidez, nos impida ver los astros y guiarnos por su luz.

Fonte: "El equilibrio y la armonía" - Belacqva, 2005

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

La moral y las costumbres (III) - Final

El hombre, para vivir como hombre, necesita la armonía entre la moral y las costumbres. Las costumbres están hechas para ser coronadas por la moral; la moral está hecha para encarnarse en las costumbres. El pecado moral, en principio libremente elegido, se infiltra más pronto o más tarde en las costumbres y las pudre: desde el Renacimiento asistimos a esa penetración del pecado en la necesidad, a esa lenta degradación del mal moral en físico. Recíprocamente, el humanismo de las costumbres recae sobre la moral: la virtud que ya no se apoya sobre la salud de los instintos y sobre la de las instituciones, se desvía de su cauce natural y cae, como los nervios mal cuidados, en una debilidad irritable...

La crisis moral que todo el mundo rivaliza hoy en denunciar es sobre todo una crisis de costumbres. El pecado emigra cada vez más lejos de su lugar propio (la conciencia y la liberdad individuales) para instalarse, de una parte, en el dominio de la vida colectiva (regímenes políticos y climas sociales malsanos), y de otra, en el de la vida inconsciente y casi orgánica (nervios desquiciados, instintos pervertidos, etc.) La zona del mal propiamente moral se recorta progresivamente, de modo que el moralista ya no sabe muy bien dónde termina su terreno y dónde comienza el del hombre de estado o el del médico. No ignoro que una tal desviación de las costumbres constituye un ambiente ideal para la eclosión de vocaciones heroicas: por reacción, hace surgir seres cuya pureza moral remonta la corriente de las costumbres y crea una nueva salud fundada totalmente en la conciencia y en el amor, mantenida a fuerza de espíritu. Piénsese, por ejemplo, en qué atmósfera social se encuentra colocado hoy día el deber elemental de la procreación y qué trágicos obstáculos tiene a veces que vencer. Pero un estado de cosas que tiende, por así decirlo, a hacer depender la salud de la santidad, ofrece grandes peligros (ya hemos visto cuáles); en todo caso, exige una fuerza y una grandeza de alma que no están al alcance del término medio de la humanidad. Todo sistema social que contibuye a hacer necesarias a la mayoría de los hombres, en la conducta ordinaria de su vida, virtudes esencialmente aristocráticas, resulta malsano. En cuanto a la pseudodemocracia surgida del espíritu del 89, añade el absurdo al daño: fundada teóricamente sobre la justicia y el amor a las masas, acaba imponiendo prácticamente a los individuos de esas pobres masas, si quieren cumplir su humilde deber, un heroísmo que apenas sería razonable pedir al pusillus grex evangélico. Si se busca la razón secreta de la temeridad aterradora con la que los espíritus revolucionarios transtornan tradiciones y costumbres que han sido ya probadas, la encontraremos en esa ilusión "angélica" de que la moralidad puede y debe bastar a suplir las costumbres destruídas. Pero no hay peor crimen social que el querer forzar a las masas a la santidad...

El moralista, situado en el centro de un desconcierto de costumbres inédito en la Historia, tiene que desconfiar más que nunca de las construcciones ideales, de los sistemas universales, de la embriaguez de la palabras y de los sueños. Ya se ha cultivado demasiado tiempo el eretismo moral: lo que hoy necesitamos es una moral motriz. Después de tantos estériles excesos intelectuales y afectivos, ya es tiempo de enseñar a los hombres a hacer llegar hasta sus actos el ideal de su alma y la emociones de su corazón. Hay que encarnar humildemente, pacientemente, la verdad humana; hay que darle un cuerpo y una realidad en la vida de cada uno y en la vida de todos. El más noble ideal sólo tiene sentido en la medida en que engendra ese pobre esfuerzo carnal y sangrante. Han sido removidas las bases más elementales de la naturaleza humana: hay que reconstruir al hombre entero. Para esto no basta con predicar, a todos y a ninguno, desde la cúpula del edificio vacilante; es preciso bajar y reparar piedra a piedra sus cimientos amenazados.

La tarea más urgente de la moral consiste, pues, ahora en restaurar las costumbres. Es insuficiente predicar a las almas la salud moral si no se presta atención al ambiente que las hace enfermar. Y esto planea problemas biológicos, económicos, políticos, que no tenemos derecho a eludir. El moralista no puede ya aislarse en su ciencia... ¿Es esto decir que la moral es hoy inútil, como quiere insinuar cierto falso realismo? Por el contrario, necesita ser tanto más pura, más profunda y más delicada cuanto menos sólidas son sus raíces. En otro tiempo, el moralista y el apóstol podían permitirse el lujo de no ocuparse más que de las cosas del espíritu y de la libertad: entonces no había que inquietarse de las bases físicas del impulso moral ni de un clima social que no por ser a veces muy rudo, dejaba de ser saludable en su esencia. Hoy día, la moral más elevada debe aprender a inclinarse sobre las más humildes realidades; es preciso que siga al mal hasta el punto extremo de su encarnación en las costumbres, porque es de ahí de donde debe partir el remedio. Todos los tratamientos locales---trátase de sermones morales, de sistemas políticos o de planes económicos---resultan, tomados por separado, más deficientes que nunca. La curación de la humanidad exige una ciencia total y un amor total de la humanidad.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

La moral y las costumbres (II)

Lo que yo llamo aquí costumbres (esas costumbres cuya regresión denuncio) es, en suma, la moral vivida más bien que representada, la moral disuelta en la necesidad física; es, en el orden del sentimiento y de la acción, un "don" tan gratuito y tan natural como la salud en el orden del cuerpo, y constituye una especie de prolongación de esta última. Se comprende que esta salud, relativa a comportamientos muy simples, de finalidad generalmente extrapersonal y encaminados a asegurar la continuidad familiar y social, puede dejar espacio, en el orden de las superestructuras individuales, a muchas inmoralidades: así se explican los "pecados" de tantas gentes biológicamente y socialmente sanas. Lo que yo llamo moral (esa moral cuyos progresos señalo) es la moral representada y sentida más bien que vivida y realizada, la moral fuente de emoción y de ideal más bien que de acción. Se comprende también que esta moral pueda coexistir con una profunda descomposición de las subestructuras afectivas. El carácter de Jean-Jacques Rousseau nos ofrece un ejemplo magnífico de esta mezcla de moralismo exasperado y de costumbres podridas. Al nacimiento de cada uno de sus hijos repasa en su pensamiento y en su corazón "las leyes de la naturaleza, de la justicia y de la razón, y las de esa religión pura, santa, eterna como su autor", etc; y esta orgía de alta moral desemboca en el abandono de todos sus hijos. Un hombre normal no piensa en nada de todo esto, pero cría a los suyos...

La unión en el mismo individuo de un fuerte ideal moral y de costumbres decadentes constituye un terrible peligro social. La ausencia de salud en los hábitos profundos y los reflejos vitales confiere al ideal moral un no sé qué de irreal y de mórbido que le hace maléfico para la naturaleza del hombre. Los pecados de idealismo, de angelismo, que están en la base de las grandes convulsiones culturales y politicas de los tiempos modernos, se derivan en gran parte de ahí. Unida a sanas costumbres, la alta moralidad hace los santos; unida a costumbres decadentes, produce utopistas y revolucionarios. Rousseau y Robespierre fueron seres constatemente estremecidos de emoción moral: la predicación de la virtud era en ellos como una especie de grito de agonía, de canto de cisne, de las costumbres. La virtud que no está equilibrada por buenas costumbres, está siempre amenazada de ser presa de un ideal quimérico y, por ello mismo, destructor. No es pequeño beneficio de las sanas costumbres el de impedir a la moral que divague.

* * *

Otro escollo (aunque estrechamente ligado a los que ya hemos señalado) de la moralidad sin costumbres es conducir, sucesivamente o simultáneamente, a una indignación impura contra el mal y a un consentimiento impuro en el mal.

La "moral sin costumbres", ya lo hemos dicho, no está encarnada. El decadente tiene a menudo hambre de virtud, pero esta hambre no encuentra alimento en el interior de sí mismo. Entonces lo busca fuera. Hombres como Rousseau tienen un ideal, pero este ideal no ha descendido jamás de su cerebro: no encuentra en su ser íntimo, en su naturaleza profunda, nada de que alimentarse para tomar cuerpo. Pero ellos no insisten por ese lado: eso les llevaría demasiado lejos. Prefieren reclamar al mundo exterior la sustancia de esa virtud, de la que en sí mismos sólo encuentran el deseo. Piden al mundo exterior que encarne su ideal; quieren forzar a la sociedad a que sirva de coartada a su impotencia; necesitan ver sin cesar a su alrededor lo que ellos son incapaces de vivir dentro de sí. Y cuando el mundo exterior falta a esa misión, ¡qué rencor indignado, qué gritos histéricos contra el mal! Los seres profundamente virtuosos---los que realizam interiormente su ideal---son mucho menos sensibles---me refiero a esa sensibilidad cargada de amargura y de irritación---a la mentira y a la injusticia del mundo. Sienten en su alma y en el Dios que la llena fuerza y verdad eternas suficientes para soportar, con corazón triste pero sereno, el mal que corroe al mundo. Saben, con ciencia viva, que la justicia dirá la última palabra, y esto suprime muchos escándalos. Pero aquellos que con tales crispaciones de impaciencia reclaman el triunfo de su Dios, muestran con ello que no están muy seguros de ese triunfo. Más esclavos aún que los demás del mundo y del siglo, necesitan, para no desesperar de su ideal, verle triunfar en este mundo y en este siglo, y su celo es tanto más amargo y más febril cuanto más profundo es su vacío interior. Así, Rousseau, padre indigno, concede recompensas a las mujeres que crían por sí mismas a sus hijos y abruma a los educadores con consejos irrealizables. Exige a los demás lo impossible, por lo mismo que él es incapaz de levantar un dedo: así crea un término medio. Las utopias morales y sociales más devoradoras nacen de esos decadentes que reúnen, según la frase de Montaigne, "opiniones supercelestes con costumbres subterráneas...".

Pero este dualismo agudo entre la moral y las costumbres, ese estado de fiebre, de tensión, inherente a las virtudes mal encarnadas, no puede mantenerse mucho tiempo. La unidad rota intenta restablecerse por la confusión. Cuando el ideal es incapaz de encarnarse, es la carne lo que se idealiza, y surge un nuevo tipo de decadencia: el de los seres corrompidos que divinizan su propria corrupción. Se crea una nueva "moral"que justifica teóricamente el amoralismo fundamental de las costumbres enfermas: Icaro caído goza de ese reposo en el fango destinado a los que se han dejado tentar de lo imposible. La decadencia de las costumbres produce en su primera fase un moralismo rígido y exaltado; en su segunda fase, un inmoralismo erigido en dogma; más pronto o más tarde, engendra siempre la peor moral.

Este dualismo y esta confusión coexisten en general en los mismos hombres y en las mismas doctrinas. Mezcla de purismo y de relajación, es el gran estigma de todas las morales de tipo maniqueo. Un Rousseau, un Gide censuran, con refinamientos sobrehumanos de pureza, ciertos males casi inherentes a la condición humana y, al mismo tiempo, acogen y glorifican los peores desórdenes. Apuntan simultaneamente más alto que el hombre y más bajo que el animal: su moral está hecha de vana rebelión contra la necesidad y de abyecta abdicación ante el desorden. Se concreta en el atractivo combinado de lo imposible y del fango.

Continua ...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

La moral y las costumbres (I)

No existe espectáculo más angustioso que el de la creciente discrepancia entre la moralidad y las costumbres de los hombres.

Entendámonos, ante todo, sobre el sentido de las palabras. Llamo costumbres a lo que en la conducta de los hombres procede de una necesidad inconsciente, es decir, a lo que se hace por instinto, por tradición, por adaptación espontánea al medio social... Llamo moral a lo que procede de la afectividad especificamente consciente. Para tener costumbres no es necesario comulgar conscientemente con un ideal; para tener moral, sí que lo es. Se puede hablar de costumbres referiéndose a los animales, pero no se puede hablar de moralidad más que refiriéndose a los hombres.

Tomemos dos casos extremos. En primer lugar, um viejo labrador, avaro y tortuoso, siempre dispuesto a enganãr a sus semejantes en una compra o en una venta, pero al mismo tiempo apegado al terruño familiar y padre de una numerosa familia a la que cuida con abnegación. Este hombre "carece de moral", pero tiene buenas costumbres. En segundo lugar, supongamos un modesto burgués desvitalizado, muy escrupuloso y muy digno en su conducta, muy noble en su ideal de justicia universal y que, por debilidad, por cobardía inconsciente y espontánea ante la vida, se abstiene voluntariamente de tener hijos. Puede ser que la moral de este hombre sea más pura que la del primero; pero no por ello sus costumbres dejan de ser corrompidas.

En todo humano hay un lado físico---tomo esta palabra en el sentido muy amplio de ontológico---y un lado moral. Un acto moralmente malo puede ser físicamente bueno; en otros términos, puede reposar sobre sanas bases vitales, ser la expresión de una pureza, de una espontaneidad natural. Así, un ejercicio ilícito de la sexualidad, un movimiento de violencia que desemboca en un homicidio, pueden proceder de faculdades perfectamente sanas en su orden. El desorden reside aquí en la ilegitimidad moral y social de estos actos. A la inversa, un acto moralmente puro puede ser físicamente impuro. El hombre desvitalizado de que ha hablado más arriba puede, por razones morales, decidirse a tener hijos: su conducta será entonces muy noble, quizá heroica: pero de todos modos carecerá de sanas bases naturales, no tendrá verdaderas raíces en la necesidad.

Esta distinción entre la moralidad y las costumbres nos permitirá comparar sanamente el estado actual y el estado pasado de la humanidad. Cuando los conservadores, los laudatores temporis acti, lamentan la decadencia moral de los hombres, los partidarios del "progreso" no dejan de recordarles las sombras terribles del pasado, el largo cortejo de crueldades, de exacciones, de orgías que se desarrolla a través de los siglos pasados. Conclusión: más vale, a pesar de todo, vivir en nuestro tiempo; los hombres son más justos y más apacibles. Distingamos. Si comparamos épocas como la Edad Media con el período actual llegamos a esta conclusión: desde el punto de vista de las costumbres, la humanidad está en plena decadencia; desde el punto de vista de la moralidad (al menos como disposición emotiva y como ideal universal), progresa indudablemente.

Nuestro antepasados tenían menos moral que nosotros, pero tenían mejores costumbres; nosotros tenemos más moral y menos costumbres. No es necesario, por lo demás, remontarse a la Edad Media para establecer esta comparación. Los labradores de hace cien años eran en conjunto más duros, más cazurros, más mezquinos y más pleitistas que los labradores de hoy; eran menos propicios a la moral y al amor, que es su base. Sus nietos tienen el corazón más sensible y el espíritu más amplio; las disputas, los pleitos, los engaños son hoy más raros en la aldea. Pero aquellos viejos campesinos poseían, a pesar de la estrechez casi "inmoral" de sus almas, un profundo capital de tradiciones religiosas y morales y de prudencia instintiva: sus hijos han dilapidado este capital. Aquéllos formaban cuerpo, personal y hereditariamente, con la tierra que cultivaban, y representaban así un papel orgánico en la comunidad: sus hijos, arrancados al suelo natal, sólo aspiran a convertirse en funcionarios anónimos y parásitos. Aquéllos eran a veces brutales con sus hijos, pero tenían hijo; éstos rodean a los suyos de mayor ternura y de más cuidados, pero apenas si los tienen ya. Peor aún---y esto nos permite medir la amplitud mostruosa del divorcio entre la sensibilidad moral y las costumbres profundas---: precisamente en este país de Francia, en que la mayoria de los hombres se han hecho tan apacibles, tan humanos y, en particular, tan cariñosos con sus hijos y tan incapaces de verles sufrir, se cuentan como poco 500.000 abortos por año: es decir, 500.000 niños asesinados. Por una parte, se mima a los hijos; por la otra, se les mata. La misma mano que machaca a los inocentes es la que les corrompe a fuerza de caricias. Es preciso que unos mueran para que los otros sean mejor cuidados y más adorados: se hacen sacrificios humanos a estos pequeños dioses. He conocido a una persona que había matado cuatro hijos en su seno (no por malicia, sino por debilidad, por falta de instintos sólidos y de encuadramiento social), y que encontraba mostruoso que se pudiera pegar a un niño para corregirle. El constraste entre el niño asesinado y el niño mimado puede darnos la medida de la discrepancia entre la sensibilidad afectiva y los hábitos profundos.

Por no estar encarnada en sanas costumbres esta moralidad está esencialmente afectada de impotencia. Hecha de intelectualismo abstracto y de emotivida superficial (¿no fué Rousseau quien quería sentar las bases de una moral sensitiva?), no va más allá de la sensación inmediata o del inaccesible. Es a la vez terriblemente présbita y terriblemente miope: mira con un ojo a una estrella quimérica que no bajará jamás a la tierra, y con el otro---con el que dirige la acción concreta---no ve más que el fruto que puede cogerse hoy mismo. Los hombres poseían en otro tiempo profundos instintos biológicos y colectivos que les hacían servir sin saberlo al bien de la especie y al bien de la comunidad; veían lejos sin darse cuenta de ello, y su humilde esfuerzo personal, captado por una finalidad superior, a la cual ellos se adaptaban espontáneamente, contribuía a la edificación armoniosa de la sociedad y del porvenir. La gran ventaja de las costumbres sanas es hacer fáciles y naturales cosas muy difíciles para la moralidad pura del individuo aislado. La decadencia de las costumbres ha aislado, atomizado, a los individuos. Hoy sería preciso que cada hombre supliese con su flaca voluntad y con su sensibilidad fugaz las corrientes profundas surgidas del alma animal y del alma colectiva. Esto no es posible más que para algunas almas grandes. Las otras caen fatalmente en el culto exclusivo del interés o del amor sensible e inmediato. El hombre atomizado tiene horror a todo lo que es penoso y, sobre todo, a lo que es lejano. No se tiene hijos: no se percibe el posible al que se mata, pero el reposo que se consigue se percibe muy bien; no se reprende a los que se tienen: el bien que con ello se les haría es demasiado lejano, no es sensible; pero sus lágrimas y sus caricias sí que lo son... Los jóvenes campesinos se precipitan en masa hacia lo funcionarismo. ¿Como podría la visión de un lejano desastre colectivo contrarrestar en ellos la atracción de la seguridad inmediata? ¿Era la "conciencia" de los indivíduos lo que ataba a sus antepasados a la tierra, o eran los instintos y las instituciones?

Esta religión de la facilidad, surgida del agotamiento de las costumbres, ha dado también resultados positivos. Ha hecho desaarrollarse virtudes que, aunque nutridas de debilidad, no se confunden con la debilidad. Los hombres están demasiado "sensibilizados", necesitan demasiado la ayuda y la estima de sus semejantes1 para no repudiar espontáneamente los actos de egoísmo o de odio que exigen un gran desgaste de fuerzas. En nuestros campos, por ejemplo, apenas existen ya pleitos; nadie prosigue ya venganzas a largo plazo, y las gentes, que se envidian y se calumnian más que nunca, no disputan ya cara a cara. Ni aun para el mal se sabe ya arriesgarse y esforzarse.

Desde el punto de vista estrictamente moral, la decadencia de las costumbres no hace a los hombres ni mejores ni peores: solamente tiende a suprimir las manifestaciones lejanas y difíciles tanto del egoísmo como del amor.

[1] Esto no es una paradoja: los hombres tienen tanta más necesidad de sus prójimos cuanto más hondamente separados de ellos están. Quien lleva en sí una profunda reserva de vida colectiva es más capaz de vivir apartado de sus semejantes y de luchar contra ellos. Nuestros antepasados estaban mejor armados que nosotros por la naturaleza para la profundidad y la tenacidad en el mal específicamente moral.

Continua ...

Fonte: "Diagnósticos de fisiológia social" - Madrid: Nacional, 1958