sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O erotismo contra o amor (II - Final)


No reino da ficção

Em primeiro lugar corresponde ao caráter artificial de nossa civilização. Em todas os aspectos de nossa atividade (alimentação, trabalho, ócio, etc.) se multiplicam cada vez mais as cortinas entre o homem e a natureza. O erotismo adota esse movimento: o manequim descarnado do cinema ou do cartaz publicitário é a continuação da flor de plástico, do vinho artificial ou do ócio dirigido. Tem um certo parentesco com as drogas. Em relação à sexualidade normal representa o papel de excitante e de calmante, pois, se por um lado fomenta costumes libertinos, por outro, apaga a insatisfação sexual desviando-a pelas sendas aparentemente inofensivas do sonho.

O erotismo se adapta também à atmosfera de facilidade que nos rodeia. O exercício normal da sexualidade implica sempre um mínimo de obstáculos e de responsabilidade. O impresso, a imagem, se absorvem sem esforço e sem risco. E cada um é convidado a esse festim ilusório. Tudo para todos na medida em que tudo se reduz a nada. Ao carecer de realidade, a sexualidade imaginária não tem limites. Tudo é possível, tudo é permito no plano dos sonhos e da ficção. No reino das imagens todo mundo é rei.

A ilusão de escapar da mediocridade

O pior é o afastamento e a degradação do instinto, do sentido de mistério e do sagrado que praticamente desapareceu do nosso mundo utilitário. Se pode, com efeito, falar de uma transcendência da sexualidade com respeito ao indivídio: Aqui encontramos essas afinidades entre o amor humano e o amor divino tão exploradas pelos escritores místicos. Os amantes sentem vibrar uma promessa misteriosa nessa atração que os aproxima de um ser distino e complementar: seu amor é antes de mais nada, a espera de uma revelação.

Os que são incapazes de receber essa revelação pelo amor, a buscam no erotismo. É a única saída para o desconhecido que resta aos homens cuja vida condicionada e incolor se desenvolve sem aventura e sem imprevistos sobre a terra e sem a esperança do céu. O erotismo lhes dá a ilusão de escapar de sua mediocridade e de seus limites. O infinito ao alcance dos cães, dizia Céline.

Sem levar isso em conta, é impossível compreender essa magia do erotismo e a atração que exercem todos esses falsos mistérios que movem-se ao redor de um verdadeiro mistério, esquecido e profanado. Como se houvesse algo de inédito nas revelações do erotismo sobre os gestos (normais ou aberrantes) do amor carnal! A antologia grega e a vida privada dos Césares esgotaram a questão. Mas se trata de um fenômeno irracional no qual a lógica e inclusive a evidência, nada podem. Baudelaire via aqui o sinal de decadência do animal religioso que se equivoca de ídolo.

Sinal de esgotamento

A religião do sexo começa a apresentar sérios sinais de esgotamento. Se consome a medida que liquida o velho capital de proibições e de pseudo-mistérios acumulado pelas gerações precedentes, no qual baseava todo o seu prestígio. Mais além do pecado e inclusive de toda ilusão, conduz à insignificância do sexo. O sexo entra dessa forma, no ciclo da economia de consumo. A mulher eterna e a a mulher fatal (Beatriz e Circe) se desvanecem simultaneamente: resta um passatempo, uma inclinação. Escutava recentemente em um lugar público a conversa de dois jovens. Falavam alternadamente de carros e de mulheres. O tom variava apenas (se tratava em ambos os casos de elegância de linhas e de resultados técnicos), com um pouco mais de seriedade quando se tratava dos carros. De fato, são mais caros e mais arriscados.

A exaltação do sexo leva em linha reta à desvalorização e ao desprezo do sexo. Não esse desprezo polêmico que os antigos ascetas usavam como uma arma contra as tentações fortes, mas o desprezo indiferente dos fastiados.

O amor pessoal frente ao erotismo anônimo

A conclusão se deduz por contraste. O problema sexual não se coloca ao nível do sexo, mas ao nível do homem, na orientação geral que dá ao seu destino, do qual o sexo não é mais que um elemento. E sua solução está no amor. Penso agora em uma carta de Bismarck enviada à sua jovem esposa que temia que este lhe fosse infiel: duvidas que casei com você para amarte? Esse "para" implica mais liberdade qualquer "porque"; sela, por uma exigência invariável do espírito, a promessa nascida da emoção fugaz dos sentidos; traduz a ardente paciência do escultor que extrai uma estátua do material fornecido pela carne e pela imaginação. O amor do casal personaliza a sexualidade: ata com um laço singular esta força cega e anônima. O erotismo imita o anonimato da natureza (que coisa mais impessoal que seu arsenal de receitas e imagens?), mas desnaturalizando-o pelos artifícios do espírito.

Não há nada de sagrado sem sacrifício, nem plenitude sem ascese. O amor dá um sentido e um fim à sexualidade, e ao mesmo tempo lhe impõe limites. Não se pode ir muito longe vagando em todas as direções: apenas o caminho estreito conduz ao país sem fronteiras. O erotismo atua no sentido inverso: suprime na aparência os limites da sexualidade e a priva, de fato, de sentido e de fim. É um beco sem saída, disfarçado em terra prometida, onde os aleijados da sexualidade e os subdesenvolvidos do amor buscam uma evasão e encontram uma maior escravidão.

sábado, 23 de janeiro de 2010

O erotismo contra o amor (I)


A névoa densa e malsã de erotismo em que se encontra imersa a civilização ocidental, nos lembra a neblina londrina nos piores dias do outono.

Nos livros, nos jornais, nos espetáculos, nas propagandas se observa a mesma escalada do sexo (embora fosse mais apropriado falar em descida do sexo), o mesmo desfile de relatos e imagens eróticas. Tudo tão aborrecido (dizia Camus) como a leitura de um manual de etiqueta. Essa saturação alcança um tal grau de estupidez e irrealidade que não é fácil encontrar um paradigma na história. Imediatamente vem à memória o pensamento de Tayllerand: "tudo o que é exagerado é insignificante". A inflação conduz à desvalorização. Esse exagero de vulgaridade nos deixa perplexos e sem forças para reagir. Não é em vão que se afirma que a tolice absoluta desarma. Só nos cabe a irrisão. O riso purifica. A Sabedoria Eterna disse que rirá no último dia.

Caricatura da sexualidade

Mas se o erotismo em si mesmo não merece mais que irrisão, representa também um perigoso sinal de alerta com respeito às realidades humanas que debilita e desnaturaliza. Devemos rir da caricatura e ao mesmo tempo chorar pela forma mutilada.

E aqui, a forma mutilada é a sexualidade humana que longe de ser como nos animais uma faculdade quase autônoma e dirigida por uma finalidade invariável (completar a parelha, procriar), se exerce em função de uma interpretação e de uma orientação onde entram em jogo todos os elementos da personalidade: imaginação, afetividade, vontade de poder, sentido estético e religioso, etc. O condenável do erotismo é que apele aos mais superficiais e baixos desses elementos para desviar a sexualidade de seus fins biológios e espirituais e de rebote degradar o homem inteiro fazendo-o escravo de um sexo-ídolo desvitalizado e desespiritualizado. Não se trata de cultivar o apetite sexual, mas de prostituir o ideal à carne.

O erotismo implica uma complacência do espírito nas coisas que dizem respeito à carne. O dicionário Larousse dá duas definições: amor enfermo e busca da sensualidade. Notemos que se trata de uma sexualidade representada mais do que vivida, de uma obsessão mais do que uma necessidade, de uma ficção enxertada sobre uma realidade.

Vitalidade ou artifício?

A que responde essa onda de erotismo no mundo contemporâneo? Se pode ver nisso um deslocamento pendular que segue o excesso de rigor de gerações precedentes. O jansenismo, o puritanismo, que consideravam inominável e inconfessável tudo o que se referia às obras da carne, foram fatos igualmente inéditos na história. Como um gás demasiado comprimido, esta sexualidade, a qual se havia negado um lugar no pensamento e na expressão, saltou suas barreiras e se estendeu por todas as partes.

Mas tudo o que havia de artificial e malsão no tabu transmitiu-se ao ídolo. Assistimos uma espécie de degeneração hipertrófica da sexualidade: o erotismo moderno procede da excitação mais que do vigor, do cérebro e dos nervos, mais do que da carne e do sangue. E seus exageros refletem uma impotência fundamental para assumir normalmente a realidade sexual. Se põe a sexualidade em todas as partes na medida em que se é incapaz de exercê-la no lugar que lhe convém. Relembrando a célebre frase de Pascal, um jovem filósofo canadense, Jacques Dufresne, escreveu que a sexualidade tem sua circunferência em todas as partes e o seu centro em lugar algum.

Páginas sem clorofila

A sexualidade normal gravita ao redor de dois polos: o apetite carnal e o amor espiritual. O erotismo atual é alheio tanto a um quanto a outro. Uma simples olhada na literatura e no conjunto de imagens eróticas é suficiente para mostrar o quanto estamos longe da efervescência vital. Com algumas exceções, essas obras em que se relatam todas as intimidades carnais, estão nas antípodas da sã vivacidade de um Aristófanes ou de um Rabelais. A esterilidade se alia à sexualidade: é a analogia literária do striptease com tudo o que tem de enfermo e de cálculo. Penso em certas novelas de inspiração psicoanalítica ou existencialista, nas quais se expõe numa atmosfera de conveniência, as vulgaridades mais baixas e tenebrosas da vida sexual. Quem ousaria falar aqui de inconstância e orgulho? Um peso mortal de fastio se imprime sobre essas páginas sem clorofila que recordam os cogumelos de outono, delgados e pegajosos, que pululam ao redor de um velho tronco apodrecido.

Fábrica de imagens

Teríamos que analizar aqui a importância desmesurada que as imagens adquiriram no psiquismo consciente e principalmente no inconsciente do homem contemporâneo. Não falo das imagens surgidas da fantasia criadora de cada um, mas das imagens fabricadas em série pelos técnicos da informação e da propaganda. Essas imagens são, para muitos homens, a primeira moldura da realidade e o ponto de comparação para apreciá-la. A atração ou o rechaço se sentem por uma imagem interposta. Sempre me lembrarei do comentário de um homem da cidade recém chegado a Chamonix, quando contemplava o Montblanc pela primeira vez: Bah! Eu já tinha visto pela televisão.

Se, como explica Platão no seu mito da caverna, o mundo sensível não é mais que um tecido de aparências, podemos dizer que demos um passo a mais para o irreal e que vivemos entre as sombras ao quadrado e entre reproduções de aparências. Em todos os campos o homem moderno se converte em um "voyeur" (uso de propósito esse termo tomado do vocabulário erótico), na medida em que se alimenta do espetáculo (raramente direto e quase sempre retransmitido) de coisas nas quais não participa ativamente por seu alheiamento ou por sua impotência. Penso agora nos inumeráveis turistas mais preocupados em tirar uma fotografia do que contemplar a paisagem.

O "voyeur" frustrado

Esta intoxicação alcança um ponto culminante no erotismo. O par clássico exibicionista/"voyeur" se dilata e se multiplica até o infinito mediante o papel impresso e as imagens. Todo o mundo sabe que a beleza física é ao mesmo tempo objeto de desejo e de contemplação. O desejo tende naturalmente à possessão, o qual tem a ver de forma predominante com o sentido do tato. A contemplação, pelo contrário, concerne unicamente ao sentido da visão. Simone Weil definia a beleza como um fruto que se olharia sem por a mão.

O "voyeur" confunde estes dois valores. Nele, a vista se converte em abastecedora do desejo: se desnaturaliza e, em último termo, se confunde com o tato. Não é reveladora a expressão popular "comer com os olhos"? Aqui aparece a diferença entre o nu estético e o erótico: o primeiro é a evocação da beleza, o segundo, a provocação de um desejo. Um desejo que quase sempre se consome no olhar.

Esta combinação bastarda conduz a uma dupla frustação. No aspecto contemplativo, pois o olhar ofuscado pelos vapores do desejo não pode captar a beleza em toda a sua pureza; e no aspecto sensual, pois o homem segue obcecado (até o exercício completo da sexualidade) por uma nebulosa de imagens inacessíveis que se interpõe entre seu desejo e o objeto possuído. A civilização da imagem democratiza o suplício de Tântalo. Aquele que adquiriu o hábito de comer com os olhos perde ao mesmo tempo a limpeza do olhar e o gozo da possessão. É um fato da experiência que o desenfreio erótico e a insatisfação sexual andam de mãos dadas. Por que o erotismo comercializado encontra tantos compradores? Não basta invocar a potência bio-psicológica do apetite sexual, pois o erotismo não concerne mais que indiretamente ao corpo e não aporta nada ao espírito. É mais no clima interior e exterior que impregna o homem moderno onde se há de buscar as razões desse êxito.

Continua ...

Fonte: Internet (Original em espanhol)
Tradução livre deste blogueiro

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (V - Final)


UMA CARICATURA DA CULTURA

O conjunto desses fatores tende a fazer da informação a caricatura e o substituto, eu diria inclusive a degeneração hipertrófica, da verdeira cultura. Está claro que o homem moderno, sobrecarregado e intoxicado por uma massa caótica de informações incontroláveis e inassimiláveis, vive cada vez mais em uma espécie de sonho acordado. O papel crescente que jogam as imagens nesse tipo de informação o submergem com efeito num universo que não tem maior consistência que um sonho. Boorstin, a quem já citamos antes, analisa admiravelmente essa substituição da imagem, quero dizer a imagem fabricada, estilizada com vistas ao rendimento publicitário, pela realidade dos fatos e dos seres. A ficção substituiu a realidade e a elimina. O sucesso da palavra "espetacular" (outro neologismo revelador) mostra bem do que se trata: nos estamos no espetáculo, um espetáculo em que as peripécias e os personagens estão preparados e disfarçados para nos seduzir. E para nos convidar a um "compromisso"(outra palavra da moda) tão ilusório como os papeis que se desempenham no palco. O "grande teatro do mundo" se converte assim em um teatro de marionetes; a imagem comanda sem discussão como nos sonhos; não temos mais, seguindo as palavras do abade Belay, que interpretar os signos, mas tão somente obedecer os sinais.

COMO RESISTIR?

Para concluir, nos limitaremos a recordar alguns meios de resistência à informação malsã. O problema surge nos planos individual e social.

No plano individual

Trata-se em primeiro lugar de ter em nós um filtro graças ao qual sejamos capazes de eliminar as informações inúteis, retificar as informações tendenciosas, ou em caso de dúvida, suspender nosso juízo. A cultura joga aqui um papel privilegiado. Um homem culto saber manter distância dos acontecimentos e propagandas a que é exposto. Ele os toma e os elimina como um organismo vivo. Tem o conhecimento suficiente da verdade para perceber e rechaçar a mentira, e se é cristão tem fé o bastante para estar isento de credulidade. Pois é um fato experimental que a credulidade é o destino dos homens sem fé. "Quando já não se crê em Deus, disse Chesterton, não é por não crer em nada, mas por crer em qualquer coisa". O autômato social que os americanos chamas de "yesman" (homens-sim) encarna esse tipo humano que, na falta de densidade interior e de raízes, obedece como um fio de palha aos sopros da opinião. Numa época como a nossa, a primeira palavra de sabedoria é saber dizer não.

No plano social

Mas nenhum indivíduo pode bastar-se por si mesmo, e a cultura, como a fé, necessita de um enbasamento social. Importa, antes de tudo, fazer frente às potências anônimas que dirigem a opinião, criar ilhas de resistência, grupos humanos cujos membros estejam concretamente unidos uns aos outros pela mesma fé e pelo mesmo ideal, que constituam barreiras contra a mentira e focos de difusão da verdade. No interior da cidade tecnocrática e totalitária (o "grande animal" de Platão) onde se reina pela força e pelo trejeito (Pascal), temos que restaurar a cidade fraterna em que circulam a verdade e o amor. Restaurar a cidade dos homens livres e associados, um meio social portador de valores eternos que estão acima do social, uma cidade temporal que, no lugar de esmagar os indivíduos sob seu peso, seja um lugar de passagem para a cidade de Deus.

MARCHAR... MAS PARA ONDE?

Este é o caminho que devemos seguir. Se fala muito hoje em dia de um mundo, uma sociedade, em marcha. Nos convidam por todos os lados a não estorvar essa evolução, e a nos associarmos a esse movimento. "A Igreja em marcha num mundo em marcha", foi o que li recentemente, escrito pela pena de uma personalidade católica, como sendo a expressão do mais alto ideal cristão. A única coisa que falta é que se esquecem de dizer aonde vamos. O fim não conta, basta o movimento. No que nos concerne, não nos negamos a andar, mas não podemos crer na virtude infalível do movimento como tal. Talvez não seja por acaso que na linguagem popular francesa o verbo marchar é sinônimo de enganar. Nos recusamos a andar por todos os caminhos e atrás de todos os rebanhos. Só marcharemos com a condição de conhecermos o objetivo e de que esse objetivo seja a verdade, o bem. Caso contrário, nos recusaremos a andar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

L'ordre et la liberté

A la suite d'un article où j'exprimais ma désapprobation à l'égard du climat de licence et de violence qui règne de plus en plus en France, un lecteur m'écrit les mots suivants: "Vous, les hommes de droit vous ne changerez jamais: vous préfererez toujours l'ordre a la liberté."

Cet argument étant devenu un slogan des milieux de gauche, je me permets d'y répondre publiquement.

Je ne préfère pas l'ordre à la liberté, ces deux choses n'en faisant qu'une à mes yeux. Il n'y a pas d'ordre sans liberté: un corps, par exemple est a'autant mieux ordonée que ses organes fonctionnent plus librement, chacun à sa place et dans ses limites. Réciproquement, il n'y a pas de vraie liberté sans ordre: dans un corps déréglé par une grave maladie, les organes sont gênés dans leurs fonctions, la digestion, la respiration ne sont plus "libres". Et c'est vrai aussi pour la société: imaginez une ville livrée à l'émeute et au pillage par la carence des "forces de l'ordre"; chacun y tremble pour ses biens et pour sa vie, n'ose plus sortir ni s'exprimer---personne n'est libre...

Cela étant, voici ma position. Je défends toutes les libertés, à condition qu'elles soient compatibles avec l'ordre. Une certaine gauche au contraire exalte et revendique toutes les libertés, même si elles doivent entraíner le désordre: grèves disloquant l'économie, manifestations tournant à l'émeute, agitation universitaire paralysant les études, publications et spectacles pornographiques avilissant le sexe, séparatismes provinciaux ébranlant l'unité nationale, libération de la contraception et de l'avortement menaçant la famille et la société, etc...

Mais qu'arrive-t-il en fait dès que cette subversion amène l'homme de gauche au pouvoir? Il n'est plus question alors de liberté: c'est l'ordre qui mobilise toutes les préoccupations des nouveaux maítres et un ordre plus rigoureux, plus inhumain que le précédent. Où en est le l'autre côté du rideau de fer, la liberté de s'exprimer, de s'associer, de réagir, contre le pouvoir par la grève ou des manifestations, d'enseigner une philosophie ou une religion non conforme à l'orthodoxie régnante? Peut-on rêver mieux en fait de subordination de la liberté à l'ordre?

En cela, à l'exception de quelques illuminés sincères qui seront balayés par l'ordre nouveau, les chefs révolutionnaires le savent bien. Ce qu'ils cherchent ce n'est pas la liberté, c'est le pouvoir---leur pouvoir. Ils ne font scintiller le mirage d'une liberté impossible que pour mieux étouffer les libertés réelles. La liberté, dans leur bouche, c'est l'appât sous lequel se dissimule l'hameçon du pêcheur, c'est le miroir aux alouettes qui attire les oiseaux dans le champ de tir du chasseur...

Ecoeuré par cette contradiction entre les promesses et les faits, des hommes de gauche loyaux et lucides clament aujourd'hui leur indignation. Parmi eux, Clavel, Revel et Etiemble. Ce dernier, après avoir attendu de la révolution russe, puis de la révolution chinoise la réalisation de son idéal socialiste, nous avoue son ultime déception: "Je ne m'intéresserai plus jamais à cette révolution chinoise dans laquelle j'avais mis mes derniers espoirs..."

Est-ce que tant d'expériences négatives ne suffisent pas? Est-ce que, dans nos pays occidentaux, les peuples hésiteront longtemps entre les démagogues qui préparent l'esclavage sous le masque trompeur d'une liberté chimérique et ceux qui luttent pour sauver les vrais libertés en les insérant dans un ordre conforme à la nature de l'homme? Entre ceux qui tendent un piège et ceux qui essayent d'ouvrir une issue?

Il reste cependant encore quelques idéalistes qui espèrent obstinément l'impossible. Témoin un article récent commentant le livre d'Etiemble et où l'auteur affirme sa foi dans "le vrai, le chaleureux socialisme des hommes contre le glacial socialisme de la bureaucratie." Je vois là une transposition de la foi et de l'espérance religieuses sur le plan social et politique. Ce lui qui croit en Dieu ne vacille pas sous les démentis de l'expérience: les triomphes apparents du mal ne l'ébranlent pas dans sa conviction que le bien absolu aura finalement le dernier mot, sinon dans le temps, du mois dans l'éternité. Selon le mot de l'Apôtre, "il espère contre l'espoir." C'est pour cela que la foi et l'espérance religieuses sont des vertus surnaturelles. Mais les options sociales et politiques relèvent de la sagesse et de l'expérience temporelles et leurs conséquences, positives ou négatives, se vérifient exclusivement en ce monde. "Le salut des âmes se fait dans le ciel, celui des cités se fait en ce monde", disait Richelieu. Que dirait-on d'un médecin qui, après avoir constaté cent fois l'effet nocif d'un remède, s'obstinerait à le prescrire sous prétexte qu'il y croit de toute son âme et que rien ne peut altérer sa foi? Les derniers croyants du socialisme à visage humain se comportent pourtant ainsi a l'égard du corps social. L'instinct surnaturel avorté nourrit les utopies antinaturelles...

Fonte: Revista "Itinéraires" (Billets, 13 août 1976)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (IV)


RAZÕES DA DEFORMAÇÃO

1- Por seu anonimato

A informação se dirige a todos e a ninguém. Ignora o diálogo: quem escreve ou fala se dirige a interlocutores invisíveis e mudos; a influência tem sentido único e funde todos os espíritos no mesmo molde. Kierkegaard se inquietava só de pensar que milhares de indivíduos liam todas as manhãs o mesmo jornal. Com o que fazia eco a Platão quando este dizia que a palavra escrita e posta ao alcance de todos, sem uma troca viva entre informador e informado, fazia proliferar a raça aborrecida e faladora dos falsos sábios, dos sábios de ilusões. Além disso, o anonimato, a impessoalidade da informação a arrasta quase fatalmente à degradação. Pois o denominador comum de uma multidão não se situa jamais em um nível superior, e nem sequer médio, e como consequência, aquele que busca a eficácia ou o sucesso, é obrigado a reduzir ao mínimo as exigências intelectuais e morais de seu ofício. É um fato, que se pode comprovar a cada dia, que a qualidade de um jornal está em razão inversa a sua tiragem. "A regra, é de ser compreendido pelo dono da marcearia", ouvi dizer uma vez o responsável por uma emissora de televisão. Desta forma o anonimato cria o divórcio entre a informação e a educação.

2- Por sua massificação

O número de informações é tal (o menor cidadão de qualquer país é informado de tudo o que se passa no universo) que o espírito é incapaz de assimilá-las e simplificá-las: ao se multiplicar, as informações se confundem ou se anulam umas as outras. "Quem muito abarca pouco aperta." Se pudéssemos ver dentro do cérebro do leitor ou do ouvinte médio, encontraríamos, ao invés de um saber estruturado, uma massa informe e instável de fatos e imagens.

O fato de não haver assimilação cria, como no diabetes, uma eliminação massiva e rápida: tudo passa e nada se fixa nesses espíritos fatigados na superfície e inativos na profundidade. O que não exclui o apetite: quanto maior a fome, mais débil é a assimilação. O homem que tem necessidade de seu jornal todas as manhãs, tanto ou mais do que seu próprio café da manhã, e se não o lê fica inquieto e desassossegado como um inseto privado de suas antenas, é o que menos se alimenta de seu jornal. Essa necessidade é da ordem do prurido e não da nutrição. E como nos comichões, a necessidade é tanto mais imperiosa e contínua quanto sua satisfação não é nenhum prazer.

3- Por sua mobilidade

Nos dão muita coisa para comer, mas não nos dão tempo para digeri-las. As notícias se anulam umas as outras, tanto por sua sucessão como por seu número. Já não estamos na escola, mas num cinema em que se assiste simultaneamente a projeção de vários filmes. Com isso se produz a erosão da memória viva, dessa faculdade de meditar, na qual Nietzsche via a condição essencial da inteligência e da cultura autêntica. Tudo se sucede sem deixar rastros; não há tempo de lembrar-se de nada: as informações, ao invés de se infiltrarem em nós, deslisam pela periferia de nosso ser, como uma chuva muito abundante sobre a superfície do solo. Assim se elabora o tipo do homem instantâneo e descontínuo (Max Picard), que na ausência de raízes cede docilmente a todos os impulsos dos acontecimentos ou da opinião. Daí procede o incrível servilismo das multidões em relação aos ídolos do dia (artistas, políticos, correntes de pensamento) e a não menos incrível rapidez com que esses ídolos passam sem deixar rastro. Quem se recorda das estrelas, dos campeões, dos entusiasmos coletivos do passado? A moda, com tudo o que essa palavra comporta de consentimento unânime e duração efêmera, é o produto específico da informação moderna. Lança-se um artista ou pensador como um novo medicamento ou um produto de beleza, e essa bolha de sabão, inflada em tempo recorde, se desvanece tão rapidamente como foi formada.

4- Pela ausência de escolha e hierarquia entre os acontecimentos que transmite

A verdadeira cultura é escalonada e seletiva. Numa informação qualquer, pelo contrário, tudo está no mesmo nível: o que vale a pena ser conhecido e o que nada se perderia por não conhecer. Abram um jornal qualquer: encontram-se nele com o mesmo luxo de títulos atraentes e fotografias evocativas uma reportagem sobre a vida dos monges ou sobre um grande escritor que acaba de morrer, uma outra sobre os amores ou o divórico de um artista e, um pouco mais longe, a narração de um crime crapuloso. Lembramos a previsão de Mistral de uma época em que "todas as plantas se confundirão numa única salada", e cada um poderá escolher, nessa mistura, o elemento mais rico em cores e sem substância que melhor satisfaça sua curiosidade ávida de falsos mistérios.

5- Pela lei da mistura

Dissemos que a verdadeira cultura implica a hierarquia e a unidade do saber. A informação odedece a lei oposta: a lei da mistura. O único valor que reconhece e que orienta sua escolha é o êxito material. O verdadeiro e o falso, o bem e o mal já não são critérios; o que importa é responder aos gostos da multidão. Não se trata de esclarecer a inteligência nem de elevar a alma, mas de distrair o espírito e excitar as paixões. Daí vem a complacência desta informação com respeito às curiosidades e apetites mais baixos, e esse esforço constante em busca do "sensacional", do "inédito", mesmo ao preço do exagero e da mentira. É preciso que a oferta corresponda à demanda, e mais: que antecipe e suscite essa mesma demanda. Isto leva a deformar, a exagerar os fatos, e até mesmo inventá-los do nada. Boorstin analisou de maneira notável essa exploração do "pseudo sucesso" pelos informadores da imprensa e da televisão. De um fato autêntico, só retem-se o lado mais superficial, mais provocante (quase sempre o mais superficial), se evoca tudo o que se poderia deduzir desse fato, e o interpretam em função dos desejos e angústias da multidão (a informações é a grande responsável pelas neuroses coletivas). Criam-se "suspenses" imaginários como no cinema; a nudez dos fatos desaparece sob o véu dos comentários. E se o acontecimento não for suficiente, eles fabricam um, geralmente com o uso do tempo condicional: "O presidente X havia dito..." ou ainda, "Tal observação astronômica seria o sinal de uma supercivilização, distante cinco milhões de anos-luz..., etc."

Uma tal informação, faz um papel de narcótico com relação ao pensamento, e de um excitante com relação a imaginação. Anestesia nossa consciência para melhor nos entregar aos mecanismos do sonho. É muito significativo, por outra parte, comprovar que este abuso da busca pelo "inédito", pelo "extraordinário", pelo "formidável", leva em linha reta à inanição e a insipidez. "Tudo o que é exagerado é insignificante", dizia Talleyrand. O que há de menos inédito e mais banal do que essas revelações ruidosas, esses "segredos", essas "confidências", divulgadas em milhões de exemplares, essa exploração do escândalo que gravita ao redor do erotismo e do crime, duas realidades psicológicas muito pobres e que não podem nos revelar outra coisa além de sua nulidade, "o aborrecido espetáculo do pecado mortal", como dizia Baudelaire? Aqui, como em tudo, a inflação provoca a desvalorização e o aborrecimento se agrava com todos os esforços que se fazem para fugir dele. Sem substituir os alimentos, transformam o uso dos tóxicos, numa necessidade.

6- Por ser um instrumento das potências financeiras e políticas

Em fim, a informação se opõe radicalmente à verdadeira cultura no sentido de que é o instrumento ideal das potências financeiras e políticas, que se servem dela para arruinar nossa liberdade interior. Não precisamos mais do que recordar tudo o que se tem dito sobre a violação das multidões, as técnicas de aviltamento, etc. A propaganda é a mais fácil e a mais eficaz das tiranias, pois deixa suas vítimas com a ilusão da liberdade. O martelo publicitário substitui a relexão pelo reflexo. O homem consciente e livre pode reagir sempre contra a pressão exterior, o fantoche obedece espontaneamente e infalivelmente aos mãos que controlam suas cordas. O processo de degradação do vivo em mecânico, analisado por Bergson, se realiza aqui a fundo.

Continua ...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Le relatif et l'absolu

La condition terrestre de l'homme est inconfortable. Par le fait de notre idéal, nous sommes irrésistiblement attirés par l'absolu et la perfection, et par le fait de notre faiblesse, nous sommes sans cesse condamnés à vivre dans la relatif et l'imperfection.

Quel est l'homme qui, en embrassant une profession ou en épousant une femme, n'a pas rêvé d'une réussite éclatante dans son métier ou d'un bonheur sans mélange dans son foyer?

Mais la vie, avec son cortège de difficultés et d'échecs, ne tarde pas à dissiper ces illusions.

Je causais récemment avec un jeune médecin qui était entré dans la carrière avec l'ardeur d'un apôtre: "Quelle déception, me disait-il. Des malades qui demandent des miracles et qui ne sont pas même capables d'observer un régime, sans parler de la paperasserie qui fait de moi un fonctionnaire de la Sécurité Sociale. La médecine est vraiment le dernier des métiers."

Peu de temps avant j'avais reçu les confidences d'un jeune époux qui, dans les années qui précédèrent ses fiançailles, s'était longuement nourri d'un livre de Gertrude von Le Fort, intitulé "La femme éternelle", dans lequel l'auter trace un portrait idéal de la nature féminine. "Comme ma femme ressemble peu à ce portrait, sospirait-il. Si j'avais su cela, je ne me serais pas marié."

De telles déceptions conduisent en général à deux réactions contraires.

Ou bien l'homme renie son idéal primitif et s'enlise dans la médiocrité quotidienne, dans un train-train professionnel et familial sans profondeur et sans horizon; il rentre, comme on dit vulgairement, "dans ses pantoufles".

Ou bien il conserve son idéal, mais au lieu d'essayer de l'incarner dans l'existence, il ne s'en sert que pour dénigrer la réalité; il adopte une attitude d'isolement et de défi. C'est le cas de certains idéalistes qui, selon Péguy, "ont les mains pures, mais n'ont pas de mais".

Nous devons dominer cette alternative: "La perfection n'est pas de ce monde", proclame la sagesse populaire. Cette évidence ne doit nous conduire ni à renoncer à la perfection, ni à désepérer du monde. Et l'Evangile nous livre la clef de l'harmonie entre notre besoin d'absolu et notre faiblesse. Le Christ nous dit: "Soyez parfait comme votre Père céleste est parfait", mais il nous avertit aussi que l'ivraie et le bon grain ne seront jamais ici-bas complètement séparés et qu'en voulant arracher trop vite l'ivraie, on court le risque d'arracher en même temps le bon grain...

Le double devoir e l'homme consiste donc d'une part, à ne jamais cesser de poursuivre la perfection et, de l'autre, à se résigner à ne jamais l'atteindre. Notre idéal est l'étoile qui doit diriger notre marche, ce n'est pas une fleur qu'on puisse cueillir au bord du chemin. Et notre tâche ici-bas est de travailler sans répit à notre perfectionnement, afin de mériter la perfection absolue qui nous sera donnée dans la vie éternelle.

Fonte: Revista "Itinéraires" (Billets, 4 mars 1977)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (III)


A SEPARAÇÃO DOS DOIS ASPECTOS DO SABER

Vamos agora tentar descobrir por quais razões esses dois aspectos do saber se distanciaram.

Em primeiro lugar, porque a instrução adquiriu cada vez mais um caráter utilitário, cujo maior sintoma é a corrida aos diplomas. A verdade, primeiro objeto da inteligência, não é um meio mas um fim. E na medida que se faz dela um meio, a instrução se degrada e se separa cada vez mais da cultura. Em seguida, por causa do caráter impessoal em que a instrução é oferecida em tantos estabelecimentos escolares anônimos e sobrecarregados. A rigidez dos programs que se dirigem a todos e a ninguém, a dificuldade do contato humano e do diálogo entre o professor e o aluno em classes demasiadas cheias, contribuem (quaisquer que sejam a competência e a boa vontade dos professores) para desumanizar a instrução e separá-la da cultura.

Em definitivo, é a busca do "ter" sem se preocupar com o "ser", a busca do objeto do conhecimento sem levar em conta o sujeito que conhece, que aprofunda o fosso entre a instrução e a cultura. Semeamos sem preparar a terra, distribuímos o alimento intelectual sem nos preocuparmos com o estado do estômago dos convidados. E, no entanto, parece que a primeira condição para uma boa digestão é fazer coincidir a fome com a alimentação...

Não se sabe conciliar o novo saber com o saber interior, o saber abstrato com o saber experiemental. Se esquece que o cérebro da criança que vai à escola não é cera virgem: possuiu todo um capital interior de sensações e conhecimentos que o educador não tem o direito de negligenciar. E a arte da educação consiste em unir, com exemplos bem escolhidos, a fórmula livresca com a experiência vital, o saber fundado sobre a idéia com o conhecimento que procede da imagem. O educador deve ampliar e retificar a experiência da criança: jamais deve negar-la ou menosprezá-la.

Não resisto ao prazer de citar este texto de Maurice Barrés que descobri recentemente e que se refere precisamente ao nosso assunto. Falando das almas das crianças ele diz: "Passando por essas almas, ainda sem muita memória, as imagens do universo tomam uma inocência e uma juventude divina. Se a serenidade da ação caracteriza os deuses, é a serenidade na agitação que caracteriza as crianças. Se apaixonam conservando o frescor da ingenuidade. Esses pequenos inocentes têm sempre o justo acento; suas palavras, seus gestos, todo seu corpo tão frágil se move com cadência. Educar trata-se de alimentar esta disposição natural, de usá-la sem deformá-la, de substituir pouco a pouco a propensão instintiva por um destino determinado, de fazer essa propensão individual participar da sinfonia social."

É uma desgraça, uma perda irreparável, se uma criança em desenvolvimento sai de sua própria verdade, muda seu canto natural por um canto aprendido: se se transforma um ser artificial, num homem-mentira. Encontramos muitos homens-mentira pela vida, jamais dizem o que verdadeiramente sente; pensam, ou melhor, crêem pensar, coisas que lhes são estranhas, que saíram fora de sua consciência. Esses homens-mentira podem ser escritores, pois existem poucos livros nos quais se possam distinguir uma verdadeira sensibilidade. São muito numerosos na vida mundana, a qual transformam numa coisa insuportável; os salões estão cheios de homens e mulheres que se atribuem de boa fé gostos e aversões que jamais foram os seus.

Todo o abismo que separa a instrução da cultura encontramos nestes parágrafos de Simone Weil:

"Se acredita ordinariamente que uma pessoa de nossos dias, aluno de uma escola primária qualquer, sabe mais do que Pitágoras porque repete docilmente que a Terra gira ao redor do sol. Mas na realidade, essa pessoa não olha para o céu e nem para as estrelas. Esse sol do qual se fala na sala de aula não tem para ele, nenhuma relação com o que ele vê.

O que hoje se chama de instruir as massas é tomar essa cultura moderna, elaborada num meio de tal maneira fechado, de tal maneira tarado, de tal maneira indiferente à verdade, suprimir tudo o que ainda possa conter de ouro puro, operação que se chama vulgarização, e embutir o resultado na memória dos infelizes que desejam aprender, do mesmo modo que damos alpiste para os pássaros."

A INFORMAÇÃO QUE DEFORMA

Passemos agora à informação propriamente dita, quer dizer, à instrução referente aos acontecimentos quotidianos. Voltamos a nos encontrar com todos os defeitos que analisamos precedentemente, levados a suprema expressão pela potência e universalidade dos meios de difusão.

É preciso afirmar, em primeiro lugar, que a falta de cultura basta para esterilizar os dados da informação. O relato de um fato, tomado em si mesmo, não significa nada se este fato não for conectado a um conjunto de conhecimentos que permitam situá-lo e avaliá-lo. "Só existem grandes acontecimentos para os espíritos pequenos", dizia Paul Valéry. O homem sem cultura, levado pela informação a um labirinto de acontecimentos, carece de um fio condutor para situar-se nesse turbilhão de notícias que o jornal, o rádio e a televisão derramam sobre ele todos os dias.

Um tornado no Arkansas, que sentido pode ter para aquele que desconhece a geografia dos Estados Unidos? A fome na Índia, não é mais do que um fato sem peso e sem raízes para quem ignora as condições sociológicas, demográficas e políticas, que fazem da fome um fenômeno endêmico nos países do Oriente. A viagem do Papa à Jerusalem ou à Bombaim, não é verdadeiramente um acontecimento, a não ser que se conheça o que representa a religião católica; senão, seja qual for o tamanho dos títulos e a quantidade de imagens visuais ou sonoras, esse acontecimento não terá maior importância real que mil outros acontecimentos anunciados com o mesmo alvoroço. Eu tenho visto homens que tratam com o mesmo interesse superficial e a mesma indiferença profunda, as imagens da viagem de Paulo VI a Bombaim e imagens das férias de Brigitte Bardot no México. A informação presupõe cultura; não pode, em nenhum grau, substituí-la.

Continua ...

sábado, 9 de janeiro de 2010

La matière et l'esprit

Les hommes diffèrent les uns des autres par la race, la nationalité, la classe sociale, les opinions politiques, etc... Cette diversité---qui par elle-même est un bien comme celle des organes et des fonctions dans un corps vivant---tourne trop souvent, par l'effet de l'égoïsme et de l'orgueil, à la séparation et au conflit. L'histoire regorge du récit de ces luttes entre les races, les nations, les classes et les partis.

La division entre les travailleurs manuels et les travailleurs intelletuels, sans avoir donné lieu aux mêmes violences, est également un facteur de séparation très important.

Trop souvent ces deux groupes restent isolés l'un de l'autre et se méconnaissent réciproquement.

Beaucoup d'intellectuels considèrent les manuels comme des éléments inférieurs de la hiérarchie sociale.

Et les manuels réagissent soit en constestant la valeur ou la difficulté du travail intellectuel (tu te la coules douce, me disait un jour un camarade d'enfance, ouvrier agricole: tu travailles sans quitter ta chaise...), soit en voulant à tout prix orienter leurs enfants vers des fonctions intellectuelles qu'ils considèrent comme une promotion sociale absolue.

L'optique faussée d'une certaine opinion publique a longtemps entretenu cet état d'esprit. Je me souviens d'un instituteur d'une commune rurale qui disait aux plus intelligents de ses élèves: "vous, vous ne resterez pas des paysans comme vos parents". Et aux autres: "vous méritez bien de rester des paysans". Comme si le métier d'agriculteur n'exigeait pas au moins autant d'intelligence et de sagacité que celui d'employé ou de fonctionnaire.

En réalitté, rien n'est plus factice et plus arbitraire qe cette opposition entre les deux grandes brances de l'activité humaine.

Le travail manuel, qui consiste à transformer la matière pour l'adapter aux besoins et aux goûts de l'homme, est toujours inspiré et guidé par l'intelligence: les mains exécutent, mais l'esprit commande.

Réciproquement, il n'existe pas d'activité intellectuelle à l'état pur. Les travaux de l'esprit comportent toujours un côté matériel---ne serait-ce que le dressage des automatismes de la mémoire---et il arrive souvent que celui-ci l'emporte sur le côté spirituel. Il y a plus d'esprit, dans le sens d'activité spontanée et créatrice, chez tel artisan attentif à améliorer sans cesse sa production matériale que chez tel professeur qui répète mécaniquement les mêmes leçons pensant des années...

"Il n'y a pas de sot métier" dit la sagesse populaire. Loin de s'opposer les travaux du corps et les travaux de l'esprit se completent et ils sont égaux en dignité. Ce qui mérite d'être loué ou méprisé, ce n'est pas la nature du travail auquel on se livre, c'est la bonne ou la mauvaise qualité de se travail.

Fonte: Revista "Itinéraires" (Billetes, 10 juin 1977)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (II)


ABORDANDO O MISTÉRIO

Em última análise, a cultura se caracteriza por um aprofundamento da ignorância. O homem culto não é o homem que resolve, ou que acredita resolver, os problemas, mas é o que escavando os problemas, vê estender-se até o infinito o mistério que os recobrem.

Para o espírito primário não existe mistério, mas somente problemas. É um espírito que acredita que a margem do desconhecido que ainda subsisti na natureza desaparecerá pouco a pouco, na medida em que a ciência progrida. Mas para o homem culto, não existe apenas o desconhecido, mas também o incognoscível, e quanto mais avança no conhecimento das coisas, mais vê espessar-se o mistério, e sabe cada vez mais que não sabe nada, pois a realidade suprema não é acessível à inteligência discursiva.

Os cérebros eletrônicos resolvem todas as questões mas são incapazes de formular alguma. O próprio da inteligência e da cultura é saber interrogar, além de todas as soluções humanas, sobre o mistério da natureza e do destino.

A debilidade da instrução livresca está em apresentar aos homens soluções prontas, antes de que estes estejam em situação de se colocarem pessoalmente os problemas.

Vocês conhecem a origem da vocação de Sócrates. O oráculo havia proclamado que Sócrates era o mais sábio dos homens. Ele achou estranho, pois era consciente de sua ignorância. Mas persuadido de que o oráculo não poderia mentir, se dedicou a interrogar todas aqueles que se vangloriavam de sua ciência, e se deu conta de que aqueles homens, que acreditavam saber muitas coisas, na realidade não sabiam nada. Sócrates concluiu que o oráculo havio dito a verdade, pois ele sabia pelo menos que nada sabia.

Essa tomada de consciência da ignorância é essencial à cultura.

A cultura aparece assim como uma criação contínua enquanto que a instrução não é mais do que um inventário superficial. E para ressaltar esta diferença, voltamos a falar da distinção clássica de Gabriel Marcel, entre o problema e o mistério. A instrução consiste em resolver problemas que se criam fora, a cultura em participar interiormente de um mistério. Acrescentamos que a instrução se atem ao ter, enquanto que a cultura se une ao ser.

O TER E O SER

Já apliquei à instrução a palavra "bagagem"; se poderia aplicar à cultura a palavra "alimento". A bagagem concerne unicamente ao ter: nosso corpo não varia segundo o número e tamanho de nossas malas, mas se transforma segundo a qualidade de nossa alimentação. Do mesmo modo, a verdadeira cultura transforma o corpo do homem que a possui: é "ter" assimilado, digerido, e por isso, se transforma em "ser".

É a diferença que assinalava Montagne entre a "cabeça cheia" e a "cabeça bem feita". É alimentar-se não para encher ou para engodar, mas por apetite. A cultura não é somente um acréscimo externo; é um alimento que desenvolve e aperfeiçoa o sujeito que o assimila, e com isso se distingue perfeitamente da instrução. Lembremos da célebre frase de Edouard Herriot: "A cultura é o que sobra quando se esqueceu de tudo." É o que sobra quando os elementos externos da instrução (fatos, datas, fórmulas, citações, etc.) se foram do nosso espírito. É precisamente esse aprofundamento do ser interior, essa capacidade de reflexão e de crítica, esse apetite que nos permite receber e digerir novos alimentos. Mas para muitos homens instruídos, podemos aplicar a fórmula do antigo prefeito de Lyon e dizer que a cultura é o que falta quando já se aprendeu tudo. É o exemplo que nos dão tantos eruditos que sabem tudo e não entendem nada.

O tipo humano que corresponde ao que o século XVII chamava "um homem de bem", o "humanista" de hoje, é precisamente o homem culto no sentido que acabamos de definir. O homem no qual o saber, integrado em uma experiência vivida, é a expressão e prolongamento de seu ser. E é pelo número e pela influência de tais homens que podemos reconhecer a verdadeira civilização: aquela que consiste não apenas no domínio das coisas pela técnica, mas no florecimento dos espíritos e das almas através da sabedoria.

Continua ...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Illusion et vérité du dialogue

Péguy disait que lorsqu'un mot devient à la mode, c'est que la réalité qu'il désigne est en voie de disparition.

Faut-il appliquer ce dur diagnostic à la vogue dont jouit actuellement le mot de dialogue? En fait, on multiplie les consultations, les concertations, les carrefours, les tables rondes, etc., et les incompréhensions, les dissensions entre le individus, les groupes, les classes sociales et les nations n'en restent pas moins aussi virulentes que tenaces.

Qu'est-ce que le dialogue? Le dictionnaire répond: conversation entre deux ou plusiers personnes. Mais le sens qu'on donne aujourd'hui à ce mot implique quelque chose de plus: il ne s'agit pas de n'importe quelle, conversation (par exemple sur pluie et le beau temps), mais d'un échange de points de vue en général divergents, dont le but est d'aplanir les difficultés, de dissiper les équivoques et, à la limite, d'aboulir à une entente. Tels sont---ou devraient être---les dialogues entre les représentants des classes sociales, des Etats o des Eglises---et même à une échelle plus humble, entre les membres d'une même famille ou d'une même entreprise...

Cela dit, d'où vient que la plupart de ces dialogues restent frappés de stérilité et que le flux des paroles échangées par les partenaires achevè de creuser le fossé qu'en principe il devrait combler?

"Je discute sans fin avec ma femme, me disait récemment un époux d'un couple mal assorti, mais plus on s'explique, moins on se comprend." Cela m'a rappelé le mot d'un romancier contemporain: "il n'y a qu'un moyen de s'entendre: c'est de s'entendre." Ce qui signifie: si l'on ne se comprend pas sans parler, toutes les paroles ne ervent à rien.

L'échec du dialogue tient aux raison suivantes:

1) L'absence d'attention aux propos des partenaires. Rares sont les hommes qui savent vraiment écouter. Dans la plupart des conversations, chacun ne prête qu'une oreille distraite aux discours des autres et n'attend que l'occasion de placer son mot. Dialogue de sourds qui se réduit à un chassé-croisé de monologues...

2) L'égoïsme et l'orgueil quand le dialogue porte sur des divergences d'opinion et d'intérêts. On est sûr à priori qu'on a raison et que le prochain a tort; on dialogue comme on se bat, avec cette différence que les paroles, moins péremptoires que les armes, ne font ni vainqueurs ni vaincus---ou plutôt elles ne font que des vaincus, car personne, au terme de ces duels oratoires, n'a avancé d'un seul pas vers la vérité. Dans les discussions politiques par exemple, il ne s'agit pas d'échanges, mais d'affrontement; on riposte aux arguments de l'adversaire comme on repouse une attaque ennemie; on cogne (verbalement) "comme un sourd"---et le pire de tous les sours, celui qui ne veut pas entendre...

3) La méfiance à l'égard de l'interlocuteur. On est intimement persuadé, non seulement qu'il se trompe, mais qu'il n'use du dialogue que pour nous tromper; on suspecte à la fois la vérité et la sincérité de ses arguments, on flaire partout la ruse de guerre---bref, la discussion est dominée par le souci de ne pas "se laisser avoir" et non par la recherche d'un terrain d'entente. Attitude, hélas! trop souvent justifiée par la déloyauté de l'un, de l'autre ou de l'ensemble des partenaires, mais qui n'apporte aucune solution aux problèmes.

Est-ce à dire que tous les dialogues sont négatifs? Pas du tout: il suffit, pour que le dialogue soit sécond, d'écarter les obstacles que je viens d'énumerer. Ce qui signifie:

D'abord savoir écouter. Au lieu de s'enfermer dans sa propre opinion, savoir discerner la part de vérité contenue dans l'opinion des autres. Se persuader que le but du dialogue ne consiste pas uniquement à se défendre contre l'interlocuteur, mais à apprendre quelque chose de lui et que les informations et les idées qui semblent contredire les nôtres, le plus souvent, les complètent. Etre accueillant et transparent aux propos du prochain.

Ensuite passer au crible d'une réflexion objective les arguments partiels et partiaux qui nous sont inspirés par nos intérêts de personne, de groupe ou de parti. Un dialogue ne doit pas être un duel, mais un effort en commun. Ne pas avoir peur de se laisser convaincre si le partenaire a raison. Dans convaincre, il y a vaincre, disait Alain. Mais il n'est pas de plus belle victoire que d'être vaincu par la vérité.

Enfin, là où l'on se heurte à la mauvaise foi de l'interlocuteur, ne pas le suivre dans cette voie sans issue et lui donner l'exemple de la loyauté. Refuser d'être dupe n'implique pas la nécessité d'être trompeur.

C'est seulement à ce prix que le dialogue cesse d'être un verbiage inutile ou une manoeuvre de guerre froid pour devenir, si j'ose employer un autre mot prostitué par la mode, effectivement constructif.

Fonte: Revista "Itinéraires" (Billets, 9 juillet 1976)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (I)


DISTINÇÕES

A informação (palavra muito recente no sentido em que é usada hoje em dia) abarca as resenhas e as notícias que nos chegam pelos jornais, pelo rádio, pela televisão, etc. Pode-se defini-la como uma instrução limitada aos acontecimentos atuais.

Quais são as relações entre essa classe de instrução e a cultura?

Para responder essa questão é necessário analisar as diferenças que separam a instrução em geral (tal como se dá hoje em dia) da verdadeira cultura.

O dicionário, nesse caso, não nos ajuda muito, já que as duas definições são quase idênticas: cultura e instrução significam aquisição de conhecimentos.

É certo que tanto na instrução como na cultura há aquisição de conhecimentos. Mas esses conhecimentos não se situam no mesmo nível do espírito. Uma pessoa pode ser muito culta sem ser muito instruída, e pode ser muita instruída sem ser culta. Mais precisamente, toda cultura implica um mínimo de instrução, mas a recíproca não é verdadeira: pode-se ter muita instrução e não ter cultura alguma. É possível ser erudito ou "sábio" de uma maneira puramente mecânica e por efeito de uma doutrinação puramente externa. Fala-se frequentemente que um cachorro é sabido ou inteligente, mas ninguém ousa dizer que um cachorro é culto!

A instrução com relação a cultura é completamente extrínseca, e não é nada mais que uma acumulação de conhecimentos; não implica necessariamente a participação intríseca. Acrescentamos que na instrução o papel essencial é da memória, faculdade em grande parte material.

Se não se trata mais do que memória, um aparato registrador qualquer, um gravador, um disco, possui essa faculdade em seu grau máximo.

É claro que um cérebro eletrônico possui muito mais memória que um homem (e consequentemente mais instrução), visto que chega a resolver problemas que exigiriam a colaboração de milhares de cérebros humanos.

A cultura é outra coisa. Implica não só o conhecimento do objeto mas a participação vital do sujeito. Recordemos que a etimologia da palavra (colere, cultivar) evoca a agricultura. Uma terrra que se cultiva colabora com a germinação e crescimento dos grãos. Há participação da terra na transformação dos grãos em plantas.

A instrução, como tal, é tão estranha à vida profunda do homem, que usamos na maior parte das vezes termos materiais para designá-la. Falamos, por exemplo, da "bagagem intelectual" que queremos dar a nossos filhos, o que indica muito bem o caráter extrínseco da instrução. Nesse mesmo sentido, falamos em "encher a cabeça". Muitos estabelecimentos escolares não têm outro sistema pedagógico além desse, e neles, a formação humana dos alunos é sacrificada a esse tipo de "inchaço cerebral".

Aparece assim uma primeira diferença: a instrução é extrínseca, a cultura é intrínseca. Em outras palavras, diremos que a instrução é impessoal e a cultura é pessoal, quer dizer, integrada à vida peculiar do indivíduo.

Talvez haja a mesma diferença entre o homem instruído e o homem culto que entre o geógrafo e o explorador. O geógrafo conhece maravilhosamente o mapa e todos os lugares que estão nele marcados: cidades, montanhas, rios, oceanos, etc. O mapa não é mais que um decalque abstrato e impessoal das paissagens terrestres. O explorador visitou os lugares; talvez tenha conhecimentos menos extensos que o geógrafo, pois não foi possível a ele visitar todos os territórios indicados no mapa, mas de todos os lugares que percorreu guarda um conhecimento saboroso, particular e direto, que nasceu e morrerá com ele.

A instrução, como tal, não comporta diferenças de nível (ou se sabe, ou não se sabe), ao passo que a cultura é suscetível de um aprofundamento indefinido. Por exemplo: saber de cor um verso de Racine é típico da instrução, mas meditar sobre esse verso e encontrar em cada leitura novas ressonâncias interiores é o que caracteriza a cultura. O homem culto é o que estabelece entre os dados da instrução relações pessoais e inéditas. Era isto a que se referia Paul Valéry quando falava que preferia ser lido sete vezes pelo mesmo homem do que ser lido uma só vez por sete homens.

A cultura se aprofunda ao passo que a instrução não pode mais que estender-se. É por isso que podemos falar de uma cultura profunda e não de uma instrução profunda, mas apenas de uma intrução extensa.

A instrução se refere à superfície do saber, a cultura à sua espessura.

Um professor de filosofia me dizia um dia estas palavras que ilustram bem a diferença que acabamos de estabelecer: "os temas que expomos nas aulas de filosofia eram para seus autores realidades vividas; para nós, professores, não são mais que idéias e, para os alunos, não são mais que palavras."

Acrescentamos que a instrução se refere ao número, a quantidade de conhecimentos. Acontece muitas vezes da "bagagem" de um homem intruído ser ao mesmo tempo demasiada pesada e demasiada leve: pesada de memória e leve de reflexão, cheia de palavras vazias e vazia das realidades designadas pelas palavras. A cultura é o antídoto contra essa enfermidade da instrução que se chama verbalismo.

EXATIDÃO OU VERDADE?

É preciso neste ponto dissipar a confusão que existe ao redor da palavra "primário".

Ser primário, não é ter feito apenas os estudos primários, mas é, qualquer que seja o grau de instrução, confundir a realidade das coisas com as fórmulas pelas quais as designamos. É por exemplo, o caso de um determinado cientificismo que imagina ter esgotado uma realidade, uma vez que mediu e catalogou os aspectos quantitativos. É a postura que trata o mistério como uma ignorância passageira.

Victor Hugo definia as pretensões desse cientificismo em uma fórmula admirável: "o preço exato pela verdade". O exato é apenas o aspecto mais superficial da verdade. Infelizmente, a linguagem moderna, que traduz os progressos inconscientes do cientificismo em nosso pensamento, tende cada vez mais a confundir esses dois termos. Geralmente dizemos "é exato", quando queremos dizer "é verdade". Mas se queremos sondar o abismo que separa o exato do verdadeiro, tratemos de transpor essa linguagem para certos domínios do pensamento ou do sentimento. Imaginem um crente dizendo: Deus é a exatidão, no lugar de: Deus é a verdade. Ou uma jovem respondendo a um jovem que acaba de lhe declarar seu amor: É exato que me amas?

Continua ...

Fonte: Conferência proferida em Laussane (18 de abril de 1965).

Tradução livre deste blogueiro.