Tenho denunciado frequentemente o erro pernicioso que consiste em buscar a justiça social na abolição---ou pelo menos na maior redução possível---das diferenças entre os homens.
E eis que, ao reler Victor Hugo, encontro uma frase que resume genialmente o meu pensamento. O poeta imagina um diálogo entre dois reformadores sociais. Enquanto um deles só vê a salvação no igualitarismo, o outro responde-lhe: "Acima do equilíbrio, está a harmonia; acima da balança, está a lira".
Está tudo dito. E cada palavra merece ser analisada e aprofundada.
O equilíbrio---diz-nos o dicionário---é "o estado de um corpo solicitado por várias forças cujos efeitos se anulam reciprocamente".
Quanto à harmonia, ela é definida como "o arranjo entre as partes de um todo, de maneira a concorrerem para o mesmo fim".
O ponteiro da balança é o indicador ideal do equilíbrio. Este, por definição, assenta na igualdade. Desde que o peso aumente num dos pratos, o equilíbrio acaba. A balança regista exclusivamente dados em relação com a quantidade, com o peso.
A harmonia, pelo contrário, exige a desigualdade. Cada corda da lira emite um som diferente e é a justa proporção entre esses sons que confere beleza à música. Não se trata já de forças opostas que se anulam reciprocamente, mas de um acordo interno, de uma convergência espontânea entre elementos que nada têm a ver com a quantidade, com o peso.
Os mais altos valores humanos (o belo, o bom, o amor, etc.) têm mais a ver com a harmonia do que com o equilíbrio. Um belo monumento não é apenas um edifício solidamente construído por trabalhadores que tenham em conta o equilíbrio, é sobretudo uma obra de arte, concebida e realizada por arquitetos dotados do sentido da harmonia. O mesmo se passa com um belo quadro: não é preciso que as cores e as formas se neutralizem umas às outras; pelo contrário, cada uma adquire todo o seu valor e todo o seu sentido na sua relação com o conjunto.
No equilíbrio, as quantidades contrapesam-se; na harmonia, as qualidades completam-se.
Também neste ponto a linguagem corrente é rica de ensinamentos preciosos. Fala-se de equilíbrio, ou de contrapeso, quando se trata de forças que não só não concordam entre si, mas até se opõem umas às outras. Diz-se, por exemplo, que o poder dos sindicatos contrabalança a autoridade patronal ou que a paz relativa de que gozamos se deve ao equilíbrio do terror. Mas quem ousaria falar da harmonia do terror?
A grande tara da nossa vida política, social e econômica é que tudo aí depende muito mais do equilíbrio que da harmonia: a rivalidade que se alastra entre as classas, as raças e as nações é testemunho disso. Num clima assim, a desigualdade---que, por si mesma, é um factor de harmonia---gera fatalmente o desequilíbrio. Porque o equilíbrio não é mais do que uma discórdia latente e contida, que se transforma em conflito aberto logo que uma das forças em jogo se sobrepõe à outra.
Então, a nação mais bem armada impõe a sua lei; um patronato ou um sindicalismo demasiado poderosos reagem, quer por meio de reivindicações excessivas, quer por meio de greves que desorganizam a economia, etc.
Em face desta situação aberrante, os responsáveis da política e da economia são obrigados a comportar-se, não como árbitros imparciais do bem público, mas como equilibristas empenhados na busca de um acordo sempre mal acabado entre as exigências incompatíveis de grupos de pressão estranhos e opostos uns aos outros.
Aqui se patenteia com toda a evidência o malefício das ideologias fundadas sobre a divergência dos interesses e os conflitos que delas se originam. Os verdadeiros chefes não são equilibristas cujo papel se limita a conter a desordem, mas são antes harmonizadores que asseguram a concórdia, isto é, que atuam sobre as forças sociais como um bom afinador sobre as cordas ou sobre os registos de um instrumento musical, procedendo de tal modo que de cada um resulte a nota adequada ao desenvolvimento da melodia.
Na ordem social, o equilíbrio nunca é suficiente para produzir a harmonia. Mas, pelo contrário, a harmonia é o bastante para estabelecer o equilíbrio, porque então os indivíduos e os grupos, em vez de se defrontarem num antagonismo estéril, conjugam as suas forças no sentido de procurar e servir o bem comum.
Temos de escolher entre estas duas alternativas: restaurar por meio da harmonia uma ordem viva, ou deixar que nos imponham uma ordem morta e mortal por uma força sem alma que anulará todas as demais.
Fonte: viriatos.blogspot.com e "El equilibrio y la armonia" - Belacqva, 2005
E eis que, ao reler Victor Hugo, encontro uma frase que resume genialmente o meu pensamento. O poeta imagina um diálogo entre dois reformadores sociais. Enquanto um deles só vê a salvação no igualitarismo, o outro responde-lhe: "Acima do equilíbrio, está a harmonia; acima da balança, está a lira".
Está tudo dito. E cada palavra merece ser analisada e aprofundada.
O equilíbrio---diz-nos o dicionário---é "o estado de um corpo solicitado por várias forças cujos efeitos se anulam reciprocamente".
Quanto à harmonia, ela é definida como "o arranjo entre as partes de um todo, de maneira a concorrerem para o mesmo fim".
O ponteiro da balança é o indicador ideal do equilíbrio. Este, por definição, assenta na igualdade. Desde que o peso aumente num dos pratos, o equilíbrio acaba. A balança regista exclusivamente dados em relação com a quantidade, com o peso.
A harmonia, pelo contrário, exige a desigualdade. Cada corda da lira emite um som diferente e é a justa proporção entre esses sons que confere beleza à música. Não se trata já de forças opostas que se anulam reciprocamente, mas de um acordo interno, de uma convergência espontânea entre elementos que nada têm a ver com a quantidade, com o peso.
Os mais altos valores humanos (o belo, o bom, o amor, etc.) têm mais a ver com a harmonia do que com o equilíbrio. Um belo monumento não é apenas um edifício solidamente construído por trabalhadores que tenham em conta o equilíbrio, é sobretudo uma obra de arte, concebida e realizada por arquitetos dotados do sentido da harmonia. O mesmo se passa com um belo quadro: não é preciso que as cores e as formas se neutralizem umas às outras; pelo contrário, cada uma adquire todo o seu valor e todo o seu sentido na sua relação com o conjunto.
No equilíbrio, as quantidades contrapesam-se; na harmonia, as qualidades completam-se.
Também neste ponto a linguagem corrente é rica de ensinamentos preciosos. Fala-se de equilíbrio, ou de contrapeso, quando se trata de forças que não só não concordam entre si, mas até se opõem umas às outras. Diz-se, por exemplo, que o poder dos sindicatos contrabalança a autoridade patronal ou que a paz relativa de que gozamos se deve ao equilíbrio do terror. Mas quem ousaria falar da harmonia do terror?
A grande tara da nossa vida política, social e econômica é que tudo aí depende muito mais do equilíbrio que da harmonia: a rivalidade que se alastra entre as classas, as raças e as nações é testemunho disso. Num clima assim, a desigualdade---que, por si mesma, é um factor de harmonia---gera fatalmente o desequilíbrio. Porque o equilíbrio não é mais do que uma discórdia latente e contida, que se transforma em conflito aberto logo que uma das forças em jogo se sobrepõe à outra.
Então, a nação mais bem armada impõe a sua lei; um patronato ou um sindicalismo demasiado poderosos reagem, quer por meio de reivindicações excessivas, quer por meio de greves que desorganizam a economia, etc.
Em face desta situação aberrante, os responsáveis da política e da economia são obrigados a comportar-se, não como árbitros imparciais do bem público, mas como equilibristas empenhados na busca de um acordo sempre mal acabado entre as exigências incompatíveis de grupos de pressão estranhos e opostos uns aos outros.
Aqui se patenteia com toda a evidência o malefício das ideologias fundadas sobre a divergência dos interesses e os conflitos que delas se originam. Os verdadeiros chefes não são equilibristas cujo papel se limita a conter a desordem, mas são antes harmonizadores que asseguram a concórdia, isto é, que atuam sobre as forças sociais como um bom afinador sobre as cordas ou sobre os registos de um instrumento musical, procedendo de tal modo que de cada um resulte a nota adequada ao desenvolvimento da melodia.
Na ordem social, o equilíbrio nunca é suficiente para produzir a harmonia. Mas, pelo contrário, a harmonia é o bastante para estabelecer o equilíbrio, porque então os indivíduos e os grupos, em vez de se defrontarem num antagonismo estéril, conjugam as suas forças no sentido de procurar e servir o bem comum.
Temos de escolher entre estas duas alternativas: restaurar por meio da harmonia uma ordem viva, ou deixar que nos imponham uma ordem morta e mortal por uma força sem alma que anulará todas as demais.
Fonte: viriatos.blogspot.com e "El equilibrio y la armonia" - Belacqva, 2005