terça-feira, 10 de novembro de 2009

Realidade social e miragem coletivista (III)

A MIRAGEM COLETIVISTA

De onde vem então o mito vivaz de uma sociedade ideal da qual o mal seria eliminado pelo relaxamento progressivo, depois pela desaparição de toda tensão entre o indivíduo e o grupo?

Creio que na base dessa utopia, contradita pela experiência milenar, encontra-se uma espécie de sobrevivência degradada e desviada da esperança religiosa. Esta cai, por assim dizer, do céu sobre a terra, da eternidade no tempo. E desse modo ela transforma o meio em fim, o caminho em objetivo. Procurar o absoluto e a perfeição ao nível da vida terrestre conduz fatalmente ao progressismo. Nesta óptica, o futuro se torna o álibi do presente. Se este chora, os amanhãs cantarão. Eu penso naquelas lojas onde está escrito: "o que você não vê nas vitrinas, peça lá dentro". Esta inscrição pode ser transposta assim na visão progressista do mundo: "o que você não encontra no presente (e, com efeito, ainda que se arregalem os olhos, não se encontrará nele nada que responda à nossa necessidade de perfeição), o futuro lhe trará".

Mas porque a miragem progressita se alia quase sempre com a miragem coletivista? Primeiramente, porque o paraíso sobre a terra não é concebível sem uma harmonia social perfeita. Em seguida, porque a fé na ascensão infinita da sociedade para a perfeição dispensa o indivíduo de todo esforço de purificação pessoal. Solução fácil, que atende admiravelmente ao egoismo e à preguiça. Nós embarcamos todos num elevador infalível: para que se esforçar para subir por si próprio? A fé coletivista diminui a responsabilidade pessoal com todos os seus riscos. "O social", dizia Simone Weil, "é o álibi da caridade".

Dai resulta o escorregamento para o totalitarismo social, que é a caricatura da onipresença e da onipotência divinas. Teilhard de Chardin afirma sem hesitar que o coletivismo é "personalizante", o que significa que a tensão entre as exigências do indivíduo e as pressões da sociedade irá se relaxando cada vez mais e que os totalitarismos recentes e presentes são os intrumentos dessa libertação e dessa harmonia.

Eis, aliás, algumas citações de Teilhard, tomadas do excelente estudo de Louis Salleron acaba de dedicar ao assunto. Teilhard escrevia por volta de 1936 a propósito do fascismo: "O fascismo está aberto ao futuro. Sua ambição é de englobar vastos conjuntos no seu império. Sobre o domínio que ele quer cobrir, suas construções são mais satisfatórias do que qualquer outra, nas condições que nós reconhecemos como fundamentais à cidade do futuro... O fascismo representa uma maqueta muito bem sucedida do mundo de amanhã". E mais tarde, a respeito do comunismo: "tomai um marxista e um cristão, ambos convencidos de sua doutrina particular; mas ambos animados radicalmente por uma mesma fé no homem... e eles terminarão, apesar do conflito de fórmulas, por se reencontrar no mesmo climax".

Fé no homem. Mas qual homem? Um homem despojado de sua natureza e reduzido a um só dos seus atributos, o mais pobre de todos: o movimento, a mudança. Essa fé no homem se dirige a um ser indeterminado, desconjuntado, concebido somente como a sede de um dever perpétuo declarado a priori benéfico. Identificação do novo e do melhor...

"Qualquer coisa", diz-nos Teilhard, "se passa na estrutura geral da consciência humana. É uma nova espécie de vida que começa, é um futuro que será essencialmente diferente do estado presente". Nada mais: nenhuma referência a uma ordem de valores decorrente de uma visão da essência ou de uma experiência da existência; basta caminhar para estar no caminho reto; mais do que isso, a marcha e o fim se confundem.

E quando Teilhard nos diz, para apoiar sua apologia do coletivismo, que a evolução é ao mesmo tempo e solidariamente unificação e complexificação, pedimos permissão para refletir sobre este último termo. É evidente que a complexidade e a unidade caminham juntas na medida em que haja uma elevação na escala dos seres: nos dois extremos, nós temos o organismo monocelular e o homem. Mas isso só é verdade enquanto existe uma possibilidade de síntese biológica ou espiritual dos elementos associados. O que não é absolutamente o caso da coletivização da humanidade. Aqui, não é de complexidade que se trata, mas de complicação. E esta é simultaneamente a caricatura da complexidade orgânica e o pior inimigo da unidade. Porque a complexidade vem da natureza e a complicação vem do homem.

A Cidade totalitária que se elabora ao redor de nós oferece-nos, efetivamente, um duplo espetáculo: de um lado, uma tendência ao nivelamento geral, que apaga as verdadeiras diferenças entre os homens e consequentemente a complexidade natural; e, de outro, uma complicação cada vez maior na administração da Cidade e nas condições de existência de seus habitantes. Todos os homens estão em vias de se reunir como carneiros de um mesmo rebanho e nada é mais inextricavelmente emaranhado do que as leis e os regulamentos que regem suas relações. Tecnocracia, burocracia, papelada---isso não tem nada a ver com a relação orgânica complexidade-unidade. E isso se parece muito pouco com aquele processo de "amorisação" (impregnação de amor) de que fala Teilhard.

Continua ...