sábado, 21 de novembro de 2009

Palavras de Gustave Thibon sobre sua obra.


Dois princípios comandam o meu pensamento: o repúdio dos ídolos e o amor da unidade. E estes dois princípios reduzem-se afinal a um, porque o ídolo é a parte arvorado em todo, e unicamente desfazendo os ídolos se poderá refazer a unidade. Toda a realidade me é cara e sagrada, com a condição de que não perturbe, ao ultrapassar os seus limites, a harmonia universal: um limite amado e respeitado é também um vínculo. Em face de cada ídolo, eu defendo o bem relativo, mas real, que o ídolo esmaga sob um mentiroso peso de absoluto.

Mas se, segundo a expressão de Chesterton, "a máquina redonda perdeu a cabeça", se o homem está reduzido a correr atrás dos pedaços dispersos de si mesmo, é porque nos esquecemos de que este mundo não tem em si o seu princípio de unidade. O primeiro efeito do esquecimento do transcendente é a ruína do temporal. Esta lei verifica-se hoje com uma desumana evidência nos nossos corpos pisados e nas nossas almas descentradas. Os ídolos dão as suas provas negativas numa cadência sempre acelerada que evoca as leis da queda dos corpos: um após outro se afundam, quer numa explosão de terror apocalíptico, quer no pântano estéril da lassidão e do desgosto. E deste fracasso de todas as mentiras, deste desabar de todos os paraísos artificiais, depreende-se a clara necessidade do retorno ao verdadeiro Deus, criador e salvador do mundo, o único que é capaz de reunir os elementos que a loucura humana dispersou. Quem pode salvar-nos do caos, a não ser aquele que nos tirou do nada?

É muito fácil (e esta é a tendência dos cristãos imperfeitos que somos) substituir Jesus Cristo por um ídolo humano repleto dos nossos erros e das nossas paixões. "É preciso vigiar o nível a que se põe o infinito, escrevia magnificamente Simone Weil; se o colocamos ao nível que só ao infinito convém, pouco importa o nome que lhe dêmos". Adorar um falso Deus sob o nome do verdadeiro tem tanto valor como divinizar a matéria, o sexo, a raça ou o Estado.

Consoante o nível da alma que ela exprime, a palavra humana oscila entre dois extremos que são o flatus vocis e o verbum vitae. Apenas o segundo tem para mim interesse.

"A ponto de expirar, tento ofuscar", escrevia o grande Corneille ao envelhecer. Suponho que sou capaz disso, ofuscar não me seduz. Só acredito nas palavras que são também alimento.

Não tenho qualquer pretensão de novidade, de originalidade de pensamento, no sentido que o mundo moderno atribiu a essas palavras. Só queria ensinar evidências. Talvez isto se chame, em linguagem mais chã, forçar portas abertas. Mas, não ensinará a experiência que as verdades mais evidentes são também as mais desconhecidas e que os homens se encarniçam em forçar fechaduras imaginárias em vez de entrar pelas portas da salvação que Deus abre diante dos seus passos? E o próprio Deus, não será uma porta aberta cuja soleira poucos atravessam?

De resto, a evidência mais comum, se penetrar até ao fundo da alma, converte-se em revelação inesgotável. Santos houve que puderam viver indefinidamente duma só frase do Evangelho. Aquilo que pertence à categoria de distracção, de espectáculo, carece de ser incessantemente renovado; o que é próprio da vida permance imutável. E se porventura perdemos o gosto pelas verdades eternas, é que, para nós, o conhecimento deixou de ser a porta da vida. Corremos duma idéia para outra porque não assimilamos nada: não vamos ver duas vezes o mesmo filme, mas alimentamo-nos todos os dias com o mesmo pão.

O meu testemunho, enquanto pessoal, conta portanto pouco: só interessa o que tenha podido passar através de mim de luz universal. Pudesse eu não ter deixado a marca dos meus limites nas verdades que nasceram antes de mim e que não morrerão comigo. Não aspiro a iluminar os homens com a minha lanterna: a minha única ambição é ajudá-los a melhor contemplar o sol.

Fonte: "O pão de cada dia" - Editorial Aster - Colecção Éfeso