sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O erotismo contra o amor (II - Final)


No reino da ficção

Em primeiro lugar corresponde ao caráter artificial de nossa civilização. Em todas os aspectos de nossa atividade (alimentação, trabalho, ócio, etc.) se multiplicam cada vez mais as cortinas entre o homem e a natureza. O erotismo adota esse movimento: o manequim descarnado do cinema ou do cartaz publicitário é a continuação da flor de plástico, do vinho artificial ou do ócio dirigido. Tem um certo parentesco com as drogas. Em relação à sexualidade normal representa o papel de excitante e de calmante, pois, se por um lado fomenta costumes libertinos, por outro, apaga a insatisfação sexual desviando-a pelas sendas aparentemente inofensivas do sonho.

O erotismo se adapta também à atmosfera de facilidade que nos rodeia. O exercício normal da sexualidade implica sempre um mínimo de obstáculos e de responsabilidade. O impresso, a imagem, se absorvem sem esforço e sem risco. E cada um é convidado a esse festim ilusório. Tudo para todos na medida em que tudo se reduz a nada. Ao carecer de realidade, a sexualidade imaginária não tem limites. Tudo é possível, tudo é permito no plano dos sonhos e da ficção. No reino das imagens todo mundo é rei.

A ilusão de escapar da mediocridade

O pior é o afastamento e a degradação do instinto, do sentido de mistério e do sagrado que praticamente desapareceu do nosso mundo utilitário. Se pode, com efeito, falar de uma transcendência da sexualidade com respeito ao indivídio: Aqui encontramos essas afinidades entre o amor humano e o amor divino tão exploradas pelos escritores místicos. Os amantes sentem vibrar uma promessa misteriosa nessa atração que os aproxima de um ser distino e complementar: seu amor é antes de mais nada, a espera de uma revelação.

Os que são incapazes de receber essa revelação pelo amor, a buscam no erotismo. É a única saída para o desconhecido que resta aos homens cuja vida condicionada e incolor se desenvolve sem aventura e sem imprevistos sobre a terra e sem a esperança do céu. O erotismo lhes dá a ilusão de escapar de sua mediocridade e de seus limites. O infinito ao alcance dos cães, dizia Céline.

Sem levar isso em conta, é impossível compreender essa magia do erotismo e a atração que exercem todos esses falsos mistérios que movem-se ao redor de um verdadeiro mistério, esquecido e profanado. Como se houvesse algo de inédito nas revelações do erotismo sobre os gestos (normais ou aberrantes) do amor carnal! A antologia grega e a vida privada dos Césares esgotaram a questão. Mas se trata de um fenômeno irracional no qual a lógica e inclusive a evidência, nada podem. Baudelaire via aqui o sinal de decadência do animal religioso que se equivoca de ídolo.

Sinal de esgotamento

A religião do sexo começa a apresentar sérios sinais de esgotamento. Se consome a medida que liquida o velho capital de proibições e de pseudo-mistérios acumulado pelas gerações precedentes, no qual baseava todo o seu prestígio. Mais além do pecado e inclusive de toda ilusão, conduz à insignificância do sexo. O sexo entra dessa forma, no ciclo da economia de consumo. A mulher eterna e a a mulher fatal (Beatriz e Circe) se desvanecem simultaneamente: resta um passatempo, uma inclinação. Escutava recentemente em um lugar público a conversa de dois jovens. Falavam alternadamente de carros e de mulheres. O tom variava apenas (se tratava em ambos os casos de elegância de linhas e de resultados técnicos), com um pouco mais de seriedade quando se tratava dos carros. De fato, são mais caros e mais arriscados.

A exaltação do sexo leva em linha reta à desvalorização e ao desprezo do sexo. Não esse desprezo polêmico que os antigos ascetas usavam como uma arma contra as tentações fortes, mas o desprezo indiferente dos fastiados.

O amor pessoal frente ao erotismo anônimo

A conclusão se deduz por contraste. O problema sexual não se coloca ao nível do sexo, mas ao nível do homem, na orientação geral que dá ao seu destino, do qual o sexo não é mais que um elemento. E sua solução está no amor. Penso agora em uma carta de Bismarck enviada à sua jovem esposa que temia que este lhe fosse infiel: duvidas que casei com você para amarte? Esse "para" implica mais liberdade qualquer "porque"; sela, por uma exigência invariável do espírito, a promessa nascida da emoção fugaz dos sentidos; traduz a ardente paciência do escultor que extrai uma estátua do material fornecido pela carne e pela imaginação. O amor do casal personaliza a sexualidade: ata com um laço singular esta força cega e anônima. O erotismo imita o anonimato da natureza (que coisa mais impessoal que seu arsenal de receitas e imagens?), mas desnaturalizando-o pelos artifícios do espírito.

Não há nada de sagrado sem sacrifício, nem plenitude sem ascese. O amor dá um sentido e um fim à sexualidade, e ao mesmo tempo lhe impõe limites. Não se pode ir muito longe vagando em todas as direções: apenas o caminho estreito conduz ao país sem fronteiras. O erotismo atua no sentido inverso: suprime na aparência os limites da sexualidade e a priva, de fato, de sentido e de fim. É um beco sem saída, disfarçado em terra prometida, onde os aleijados da sexualidade e os subdesenvolvidos do amor buscam uma evasão e encontram uma maior escravidão.