sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (IV)


RAZÕES DA DEFORMAÇÃO

1- Por seu anonimato

A informação se dirige a todos e a ninguém. Ignora o diálogo: quem escreve ou fala se dirige a interlocutores invisíveis e mudos; a influência tem sentido único e funde todos os espíritos no mesmo molde. Kierkegaard se inquietava só de pensar que milhares de indivíduos liam todas as manhãs o mesmo jornal. Com o que fazia eco a Platão quando este dizia que a palavra escrita e posta ao alcance de todos, sem uma troca viva entre informador e informado, fazia proliferar a raça aborrecida e faladora dos falsos sábios, dos sábios de ilusões. Além disso, o anonimato, a impessoalidade da informação a arrasta quase fatalmente à degradação. Pois o denominador comum de uma multidão não se situa jamais em um nível superior, e nem sequer médio, e como consequência, aquele que busca a eficácia ou o sucesso, é obrigado a reduzir ao mínimo as exigências intelectuais e morais de seu ofício. É um fato, que se pode comprovar a cada dia, que a qualidade de um jornal está em razão inversa a sua tiragem. "A regra, é de ser compreendido pelo dono da marcearia", ouvi dizer uma vez o responsável por uma emissora de televisão. Desta forma o anonimato cria o divórcio entre a informação e a educação.

2- Por sua massificação

O número de informações é tal (o menor cidadão de qualquer país é informado de tudo o que se passa no universo) que o espírito é incapaz de assimilá-las e simplificá-las: ao se multiplicar, as informações se confundem ou se anulam umas as outras. "Quem muito abarca pouco aperta." Se pudéssemos ver dentro do cérebro do leitor ou do ouvinte médio, encontraríamos, ao invés de um saber estruturado, uma massa informe e instável de fatos e imagens.

O fato de não haver assimilação cria, como no diabetes, uma eliminação massiva e rápida: tudo passa e nada se fixa nesses espíritos fatigados na superfície e inativos na profundidade. O que não exclui o apetite: quanto maior a fome, mais débil é a assimilação. O homem que tem necessidade de seu jornal todas as manhãs, tanto ou mais do que seu próprio café da manhã, e se não o lê fica inquieto e desassossegado como um inseto privado de suas antenas, é o que menos se alimenta de seu jornal. Essa necessidade é da ordem do prurido e não da nutrição. E como nos comichões, a necessidade é tanto mais imperiosa e contínua quanto sua satisfação não é nenhum prazer.

3- Por sua mobilidade

Nos dão muita coisa para comer, mas não nos dão tempo para digeri-las. As notícias se anulam umas as outras, tanto por sua sucessão como por seu número. Já não estamos na escola, mas num cinema em que se assiste simultaneamente a projeção de vários filmes. Com isso se produz a erosão da memória viva, dessa faculdade de meditar, na qual Nietzsche via a condição essencial da inteligência e da cultura autêntica. Tudo se sucede sem deixar rastros; não há tempo de lembrar-se de nada: as informações, ao invés de se infiltrarem em nós, deslisam pela periferia de nosso ser, como uma chuva muito abundante sobre a superfície do solo. Assim se elabora o tipo do homem instantâneo e descontínuo (Max Picard), que na ausência de raízes cede docilmente a todos os impulsos dos acontecimentos ou da opinião. Daí procede o incrível servilismo das multidões em relação aos ídolos do dia (artistas, políticos, correntes de pensamento) e a não menos incrível rapidez com que esses ídolos passam sem deixar rastro. Quem se recorda das estrelas, dos campeões, dos entusiasmos coletivos do passado? A moda, com tudo o que essa palavra comporta de consentimento unânime e duração efêmera, é o produto específico da informação moderna. Lança-se um artista ou pensador como um novo medicamento ou um produto de beleza, e essa bolha de sabão, inflada em tempo recorde, se desvanece tão rapidamente como foi formada.

4- Pela ausência de escolha e hierarquia entre os acontecimentos que transmite

A verdadeira cultura é escalonada e seletiva. Numa informação qualquer, pelo contrário, tudo está no mesmo nível: o que vale a pena ser conhecido e o que nada se perderia por não conhecer. Abram um jornal qualquer: encontram-se nele com o mesmo luxo de títulos atraentes e fotografias evocativas uma reportagem sobre a vida dos monges ou sobre um grande escritor que acaba de morrer, uma outra sobre os amores ou o divórico de um artista e, um pouco mais longe, a narração de um crime crapuloso. Lembramos a previsão de Mistral de uma época em que "todas as plantas se confundirão numa única salada", e cada um poderá escolher, nessa mistura, o elemento mais rico em cores e sem substância que melhor satisfaça sua curiosidade ávida de falsos mistérios.

5- Pela lei da mistura

Dissemos que a verdadeira cultura implica a hierarquia e a unidade do saber. A informação odedece a lei oposta: a lei da mistura. O único valor que reconhece e que orienta sua escolha é o êxito material. O verdadeiro e o falso, o bem e o mal já não são critérios; o que importa é responder aos gostos da multidão. Não se trata de esclarecer a inteligência nem de elevar a alma, mas de distrair o espírito e excitar as paixões. Daí vem a complacência desta informação com respeito às curiosidades e apetites mais baixos, e esse esforço constante em busca do "sensacional", do "inédito", mesmo ao preço do exagero e da mentira. É preciso que a oferta corresponda à demanda, e mais: que antecipe e suscite essa mesma demanda. Isto leva a deformar, a exagerar os fatos, e até mesmo inventá-los do nada. Boorstin analisou de maneira notável essa exploração do "pseudo sucesso" pelos informadores da imprensa e da televisão. De um fato autêntico, só retem-se o lado mais superficial, mais provocante (quase sempre o mais superficial), se evoca tudo o que se poderia deduzir desse fato, e o interpretam em função dos desejos e angústias da multidão (a informações é a grande responsável pelas neuroses coletivas). Criam-se "suspenses" imaginários como no cinema; a nudez dos fatos desaparece sob o véu dos comentários. E se o acontecimento não for suficiente, eles fabricam um, geralmente com o uso do tempo condicional: "O presidente X havia dito..." ou ainda, "Tal observação astronômica seria o sinal de uma supercivilização, distante cinco milhões de anos-luz..., etc."

Uma tal informação, faz um papel de narcótico com relação ao pensamento, e de um excitante com relação a imaginação. Anestesia nossa consciência para melhor nos entregar aos mecanismos do sonho. É muito significativo, por outra parte, comprovar que este abuso da busca pelo "inédito", pelo "extraordinário", pelo "formidável", leva em linha reta à inanição e a insipidez. "Tudo o que é exagerado é insignificante", dizia Talleyrand. O que há de menos inédito e mais banal do que essas revelações ruidosas, esses "segredos", essas "confidências", divulgadas em milhões de exemplares, essa exploração do escândalo que gravita ao redor do erotismo e do crime, duas realidades psicológicas muito pobres e que não podem nos revelar outra coisa além de sua nulidade, "o aborrecido espetáculo do pecado mortal", como dizia Baudelaire? Aqui, como em tudo, a inflação provoca a desvalorização e o aborrecimento se agrava com todos os esforços que se fazem para fugir dele. Sem substituir os alimentos, transformam o uso dos tóxicos, numa necessidade.

6- Por ser um instrumento das potências financeiras e políticas

Em fim, a informação se opõe radicalmente à verdadeira cultura no sentido de que é o instrumento ideal das potências financeiras e políticas, que se servem dela para arruinar nossa liberdade interior. Não precisamos mais do que recordar tudo o que se tem dito sobre a violação das multidões, as técnicas de aviltamento, etc. A propaganda é a mais fácil e a mais eficaz das tiranias, pois deixa suas vítimas com a ilusão da liberdade. O martelo publicitário substitui a relexão pelo reflexo. O homem consciente e livre pode reagir sempre contra a pressão exterior, o fantoche obedece espontaneamente e infalivelmente aos mãos que controlam suas cordas. O processo de degradação do vivo em mecânico, analisado por Bergson, se realiza aqui a fundo.

Continua ...