sábado, 23 de janeiro de 2010

O erotismo contra o amor (I)


A névoa densa e malsã de erotismo em que se encontra imersa a civilização ocidental, nos lembra a neblina londrina nos piores dias do outono.

Nos livros, nos jornais, nos espetáculos, nas propagandas se observa a mesma escalada do sexo (embora fosse mais apropriado falar em descida do sexo), o mesmo desfile de relatos e imagens eróticas. Tudo tão aborrecido (dizia Camus) como a leitura de um manual de etiqueta. Essa saturação alcança um tal grau de estupidez e irrealidade que não é fácil encontrar um paradigma na história. Imediatamente vem à memória o pensamento de Tayllerand: "tudo o que é exagerado é insignificante". A inflação conduz à desvalorização. Esse exagero de vulgaridade nos deixa perplexos e sem forças para reagir. Não é em vão que se afirma que a tolice absoluta desarma. Só nos cabe a irrisão. O riso purifica. A Sabedoria Eterna disse que rirá no último dia.

Caricatura da sexualidade

Mas se o erotismo em si mesmo não merece mais que irrisão, representa também um perigoso sinal de alerta com respeito às realidades humanas que debilita e desnaturaliza. Devemos rir da caricatura e ao mesmo tempo chorar pela forma mutilada.

E aqui, a forma mutilada é a sexualidade humana que longe de ser como nos animais uma faculdade quase autônoma e dirigida por uma finalidade invariável (completar a parelha, procriar), se exerce em função de uma interpretação e de uma orientação onde entram em jogo todos os elementos da personalidade: imaginação, afetividade, vontade de poder, sentido estético e religioso, etc. O condenável do erotismo é que apele aos mais superficiais e baixos desses elementos para desviar a sexualidade de seus fins biológios e espirituais e de rebote degradar o homem inteiro fazendo-o escravo de um sexo-ídolo desvitalizado e desespiritualizado. Não se trata de cultivar o apetite sexual, mas de prostituir o ideal à carne.

O erotismo implica uma complacência do espírito nas coisas que dizem respeito à carne. O dicionário Larousse dá duas definições: amor enfermo e busca da sensualidade. Notemos que se trata de uma sexualidade representada mais do que vivida, de uma obsessão mais do que uma necessidade, de uma ficção enxertada sobre uma realidade.

Vitalidade ou artifício?

A que responde essa onda de erotismo no mundo contemporâneo? Se pode ver nisso um deslocamento pendular que segue o excesso de rigor de gerações precedentes. O jansenismo, o puritanismo, que consideravam inominável e inconfessável tudo o que se referia às obras da carne, foram fatos igualmente inéditos na história. Como um gás demasiado comprimido, esta sexualidade, a qual se havia negado um lugar no pensamento e na expressão, saltou suas barreiras e se estendeu por todas as partes.

Mas tudo o que havia de artificial e malsão no tabu transmitiu-se ao ídolo. Assistimos uma espécie de degeneração hipertrófica da sexualidade: o erotismo moderno procede da excitação mais que do vigor, do cérebro e dos nervos, mais do que da carne e do sangue. E seus exageros refletem uma impotência fundamental para assumir normalmente a realidade sexual. Se põe a sexualidade em todas as partes na medida em que se é incapaz de exercê-la no lugar que lhe convém. Relembrando a célebre frase de Pascal, um jovem filósofo canadense, Jacques Dufresne, escreveu que a sexualidade tem sua circunferência em todas as partes e o seu centro em lugar algum.

Páginas sem clorofila

A sexualidade normal gravita ao redor de dois polos: o apetite carnal e o amor espiritual. O erotismo atual é alheio tanto a um quanto a outro. Uma simples olhada na literatura e no conjunto de imagens eróticas é suficiente para mostrar o quanto estamos longe da efervescência vital. Com algumas exceções, essas obras em que se relatam todas as intimidades carnais, estão nas antípodas da sã vivacidade de um Aristófanes ou de um Rabelais. A esterilidade se alia à sexualidade: é a analogia literária do striptease com tudo o que tem de enfermo e de cálculo. Penso em certas novelas de inspiração psicoanalítica ou existencialista, nas quais se expõe numa atmosfera de conveniência, as vulgaridades mais baixas e tenebrosas da vida sexual. Quem ousaria falar aqui de inconstância e orgulho? Um peso mortal de fastio se imprime sobre essas páginas sem clorofila que recordam os cogumelos de outono, delgados e pegajosos, que pululam ao redor de um velho tronco apodrecido.

Fábrica de imagens

Teríamos que analizar aqui a importância desmesurada que as imagens adquiriram no psiquismo consciente e principalmente no inconsciente do homem contemporâneo. Não falo das imagens surgidas da fantasia criadora de cada um, mas das imagens fabricadas em série pelos técnicos da informação e da propaganda. Essas imagens são, para muitos homens, a primeira moldura da realidade e o ponto de comparação para apreciá-la. A atração ou o rechaço se sentem por uma imagem interposta. Sempre me lembrarei do comentário de um homem da cidade recém chegado a Chamonix, quando contemplava o Montblanc pela primeira vez: Bah! Eu já tinha visto pela televisão.

Se, como explica Platão no seu mito da caverna, o mundo sensível não é mais que um tecido de aparências, podemos dizer que demos um passo a mais para o irreal e que vivemos entre as sombras ao quadrado e entre reproduções de aparências. Em todos os campos o homem moderno se converte em um "voyeur" (uso de propósito esse termo tomado do vocabulário erótico), na medida em que se alimenta do espetáculo (raramente direto e quase sempre retransmitido) de coisas nas quais não participa ativamente por seu alheiamento ou por sua impotência. Penso agora nos inumeráveis turistas mais preocupados em tirar uma fotografia do que contemplar a paisagem.

O "voyeur" frustrado

Esta intoxicação alcança um ponto culminante no erotismo. O par clássico exibicionista/"voyeur" se dilata e se multiplica até o infinito mediante o papel impresso e as imagens. Todo o mundo sabe que a beleza física é ao mesmo tempo objeto de desejo e de contemplação. O desejo tende naturalmente à possessão, o qual tem a ver de forma predominante com o sentido do tato. A contemplação, pelo contrário, concerne unicamente ao sentido da visão. Simone Weil definia a beleza como um fruto que se olharia sem por a mão.

O "voyeur" confunde estes dois valores. Nele, a vista se converte em abastecedora do desejo: se desnaturaliza e, em último termo, se confunde com o tato. Não é reveladora a expressão popular "comer com os olhos"? Aqui aparece a diferença entre o nu estético e o erótico: o primeiro é a evocação da beleza, o segundo, a provocação de um desejo. Um desejo que quase sempre se consome no olhar.

Esta combinação bastarda conduz a uma dupla frustação. No aspecto contemplativo, pois o olhar ofuscado pelos vapores do desejo não pode captar a beleza em toda a sua pureza; e no aspecto sensual, pois o homem segue obcecado (até o exercício completo da sexualidade) por uma nebulosa de imagens inacessíveis que se interpõe entre seu desejo e o objeto possuído. A civilização da imagem democratiza o suplício de Tântalo. Aquele que adquiriu o hábito de comer com os olhos perde ao mesmo tempo a limpeza do olhar e o gozo da possessão. É um fato da experiência que o desenfreio erótico e a insatisfação sexual andam de mãos dadas. Por que o erotismo comercializado encontra tantos compradores? Não basta invocar a potência bio-psicológica do apetite sexual, pois o erotismo não concerne mais que indiretamente ao corpo e não aporta nada ao espírito. É mais no clima interior e exterior que impregna o homem moderno onde se há de buscar as razões desse êxito.

Continua ...

Fonte: Internet (Original em espanhol)
Tradução livre deste blogueiro