quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (III)


A SEPARAÇÃO DOS DOIS ASPECTOS DO SABER

Vamos agora tentar descobrir por quais razões esses dois aspectos do saber se distanciaram.

Em primeiro lugar, porque a instrução adquiriu cada vez mais um caráter utilitário, cujo maior sintoma é a corrida aos diplomas. A verdade, primeiro objeto da inteligência, não é um meio mas um fim. E na medida que se faz dela um meio, a instrução se degrada e se separa cada vez mais da cultura. Em seguida, por causa do caráter impessoal em que a instrução é oferecida em tantos estabelecimentos escolares anônimos e sobrecarregados. A rigidez dos programs que se dirigem a todos e a ninguém, a dificuldade do contato humano e do diálogo entre o professor e o aluno em classes demasiadas cheias, contribuem (quaisquer que sejam a competência e a boa vontade dos professores) para desumanizar a instrução e separá-la da cultura.

Em definitivo, é a busca do "ter" sem se preocupar com o "ser", a busca do objeto do conhecimento sem levar em conta o sujeito que conhece, que aprofunda o fosso entre a instrução e a cultura. Semeamos sem preparar a terra, distribuímos o alimento intelectual sem nos preocuparmos com o estado do estômago dos convidados. E, no entanto, parece que a primeira condição para uma boa digestão é fazer coincidir a fome com a alimentação...

Não se sabe conciliar o novo saber com o saber interior, o saber abstrato com o saber experiemental. Se esquece que o cérebro da criança que vai à escola não é cera virgem: possuiu todo um capital interior de sensações e conhecimentos que o educador não tem o direito de negligenciar. E a arte da educação consiste em unir, com exemplos bem escolhidos, a fórmula livresca com a experiência vital, o saber fundado sobre a idéia com o conhecimento que procede da imagem. O educador deve ampliar e retificar a experiência da criança: jamais deve negar-la ou menosprezá-la.

Não resisto ao prazer de citar este texto de Maurice Barrés que descobri recentemente e que se refere precisamente ao nosso assunto. Falando das almas das crianças ele diz: "Passando por essas almas, ainda sem muita memória, as imagens do universo tomam uma inocência e uma juventude divina. Se a serenidade da ação caracteriza os deuses, é a serenidade na agitação que caracteriza as crianças. Se apaixonam conservando o frescor da ingenuidade. Esses pequenos inocentes têm sempre o justo acento; suas palavras, seus gestos, todo seu corpo tão frágil se move com cadência. Educar trata-se de alimentar esta disposição natural, de usá-la sem deformá-la, de substituir pouco a pouco a propensão instintiva por um destino determinado, de fazer essa propensão individual participar da sinfonia social."

É uma desgraça, uma perda irreparável, se uma criança em desenvolvimento sai de sua própria verdade, muda seu canto natural por um canto aprendido: se se transforma um ser artificial, num homem-mentira. Encontramos muitos homens-mentira pela vida, jamais dizem o que verdadeiramente sente; pensam, ou melhor, crêem pensar, coisas que lhes são estranhas, que saíram fora de sua consciência. Esses homens-mentira podem ser escritores, pois existem poucos livros nos quais se possam distinguir uma verdadeira sensibilidade. São muito numerosos na vida mundana, a qual transformam numa coisa insuportável; os salões estão cheios de homens e mulheres que se atribuem de boa fé gostos e aversões que jamais foram os seus.

Todo o abismo que separa a instrução da cultura encontramos nestes parágrafos de Simone Weil:

"Se acredita ordinariamente que uma pessoa de nossos dias, aluno de uma escola primária qualquer, sabe mais do que Pitágoras porque repete docilmente que a Terra gira ao redor do sol. Mas na realidade, essa pessoa não olha para o céu e nem para as estrelas. Esse sol do qual se fala na sala de aula não tem para ele, nenhuma relação com o que ele vê.

O que hoje se chama de instruir as massas é tomar essa cultura moderna, elaborada num meio de tal maneira fechado, de tal maneira tarado, de tal maneira indiferente à verdade, suprimir tudo o que ainda possa conter de ouro puro, operação que se chama vulgarização, e embutir o resultado na memória dos infelizes que desejam aprender, do mesmo modo que damos alpiste para os pássaros."

A INFORMAÇÃO QUE DEFORMA

Passemos agora à informação propriamente dita, quer dizer, à instrução referente aos acontecimentos quotidianos. Voltamos a nos encontrar com todos os defeitos que analisamos precedentemente, levados a suprema expressão pela potência e universalidade dos meios de difusão.

É preciso afirmar, em primeiro lugar, que a falta de cultura basta para esterilizar os dados da informação. O relato de um fato, tomado em si mesmo, não significa nada se este fato não for conectado a um conjunto de conhecimentos que permitam situá-lo e avaliá-lo. "Só existem grandes acontecimentos para os espíritos pequenos", dizia Paul Valéry. O homem sem cultura, levado pela informação a um labirinto de acontecimentos, carece de um fio condutor para situar-se nesse turbilhão de notícias que o jornal, o rádio e a televisão derramam sobre ele todos os dias.

Um tornado no Arkansas, que sentido pode ter para aquele que desconhece a geografia dos Estados Unidos? A fome na Índia, não é mais do que um fato sem peso e sem raízes para quem ignora as condições sociológicas, demográficas e políticas, que fazem da fome um fenômeno endêmico nos países do Oriente. A viagem do Papa à Jerusalem ou à Bombaim, não é verdadeiramente um acontecimento, a não ser que se conheça o que representa a religião católica; senão, seja qual for o tamanho dos títulos e a quantidade de imagens visuais ou sonoras, esse acontecimento não terá maior importância real que mil outros acontecimentos anunciados com o mesmo alvoroço. Eu tenho visto homens que tratam com o mesmo interesse superficial e a mesma indiferença profunda, as imagens da viagem de Paulo VI a Bombaim e imagens das férias de Brigitte Bardot no México. A informação presupõe cultura; não pode, em nenhum grau, substituí-la.

Continua ...