quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A informação contra a cultura (V - Final)


UMA CARICATURA DA CULTURA

O conjunto desses fatores tende a fazer da informação a caricatura e o substituto, eu diria inclusive a degeneração hipertrófica, da verdeira cultura. Está claro que o homem moderno, sobrecarregado e intoxicado por uma massa caótica de informações incontroláveis e inassimiláveis, vive cada vez mais em uma espécie de sonho acordado. O papel crescente que jogam as imagens nesse tipo de informação o submergem com efeito num universo que não tem maior consistência que um sonho. Boorstin, a quem já citamos antes, analisa admiravelmente essa substituição da imagem, quero dizer a imagem fabricada, estilizada com vistas ao rendimento publicitário, pela realidade dos fatos e dos seres. A ficção substituiu a realidade e a elimina. O sucesso da palavra "espetacular" (outro neologismo revelador) mostra bem do que se trata: nos estamos no espetáculo, um espetáculo em que as peripécias e os personagens estão preparados e disfarçados para nos seduzir. E para nos convidar a um "compromisso"(outra palavra da moda) tão ilusório como os papeis que se desempenham no palco. O "grande teatro do mundo" se converte assim em um teatro de marionetes; a imagem comanda sem discussão como nos sonhos; não temos mais, seguindo as palavras do abade Belay, que interpretar os signos, mas tão somente obedecer os sinais.

COMO RESISTIR?

Para concluir, nos limitaremos a recordar alguns meios de resistência à informação malsã. O problema surge nos planos individual e social.

No plano individual

Trata-se em primeiro lugar de ter em nós um filtro graças ao qual sejamos capazes de eliminar as informações inúteis, retificar as informações tendenciosas, ou em caso de dúvida, suspender nosso juízo. A cultura joga aqui um papel privilegiado. Um homem culto saber manter distância dos acontecimentos e propagandas a que é exposto. Ele os toma e os elimina como um organismo vivo. Tem o conhecimento suficiente da verdade para perceber e rechaçar a mentira, e se é cristão tem fé o bastante para estar isento de credulidade. Pois é um fato experimental que a credulidade é o destino dos homens sem fé. "Quando já não se crê em Deus, disse Chesterton, não é por não crer em nada, mas por crer em qualquer coisa". O autômato social que os americanos chamas de "yesman" (homens-sim) encarna esse tipo humano que, na falta de densidade interior e de raízes, obedece como um fio de palha aos sopros da opinião. Numa época como a nossa, a primeira palavra de sabedoria é saber dizer não.

No plano social

Mas nenhum indivíduo pode bastar-se por si mesmo, e a cultura, como a fé, necessita de um enbasamento social. Importa, antes de tudo, fazer frente às potências anônimas que dirigem a opinião, criar ilhas de resistência, grupos humanos cujos membros estejam concretamente unidos uns aos outros pela mesma fé e pelo mesmo ideal, que constituam barreiras contra a mentira e focos de difusão da verdade. No interior da cidade tecnocrática e totalitária (o "grande animal" de Platão) onde se reina pela força e pelo trejeito (Pascal), temos que restaurar a cidade fraterna em que circulam a verdade e o amor. Restaurar a cidade dos homens livres e associados, um meio social portador de valores eternos que estão acima do social, uma cidade temporal que, no lugar de esmagar os indivíduos sob seu peso, seja um lugar de passagem para a cidade de Deus.

MARCHAR... MAS PARA ONDE?

Este é o caminho que devemos seguir. Se fala muito hoje em dia de um mundo, uma sociedade, em marcha. Nos convidam por todos os lados a não estorvar essa evolução, e a nos associarmos a esse movimento. "A Igreja em marcha num mundo em marcha", foi o que li recentemente, escrito pela pena de uma personalidade católica, como sendo a expressão do mais alto ideal cristão. A única coisa que falta é que se esquecem de dizer aonde vamos. O fim não conta, basta o movimento. No que nos concerne, não nos negamos a andar, mas não podemos crer na virtude infalível do movimento como tal. Talvez não seja por acaso que na linguagem popular francesa o verbo marchar é sinônimo de enganar. Nos recusamos a andar por todos os caminhos e atrás de todos os rebanhos. Só marcharemos com a condição de conhecermos o objetivo e de que esse objetivo seja a verdade, o bem. Caso contrário, nos recusaremos a andar.