Pudor e dissimulação
Estes dois sentimentos são parecidos pelas suas manifestações exteriores; mas como é diferente a sua origem íntima! O pudor tem medo da mentira, a dissimulação da verdade. O pudor recata-se ante os olhares impuros ou superficiais, ante a falsa luz. A dissimulação recata-se ante a verdadeira luz. O pudor receia que se enganem sobre o seu segredo, a dissimulação receia que se veja com execessiva clareza o seu segredo. O primeiro teme ser julgado segundo as aparências, a segunda tem medo de ser julgada segundo a verdade. Vítor Hugo resume tudo isto neste belo verso: A inocência vela-se e a falta esconde-se...
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Caminha no teu amor, mas não esperes que a alegria te siga passo a passo. A felicidade não é a sombra do amor. Quando o amor avança, ela parece por vezes dormir---ou recuar. Mas quando o teu amor tiver atingindo o seu fim que é Deus, a alegria unir-se-á de novo a ti num bater de asas e não te abandonará jamais.
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A verdadeira fidelidade consiste em fazer renascer indefinidamente aquilo que nasceu uma vez --- esses pobres gérmens de eternidade postos por Deus no tempo, que a infidelidade rejeita e a falsa fidelidade mumifica. Só o nascimento tem encanto, dizem os amantes da mudança; mas quem nao é capaz de renascer não chegou nunca a nascer, (há neste mundo mais abortos que nascimentos). O gesto de colher a flor é tão virgem como o de lançar o grão --- e o que não sabe esperar a colheita nada soube também da alegria e do amor do semeador: limitou-se a mover as mãos e embriagou-se com o seu gesto; não semeou...
Fonte: "O que Deus uniu" - Editorial Aster - Collecção Éfeso