Ser e ter
Drama do ser separado. Não tem compenetração orgânica com coisa alguma, tudo lhe é exterior, tudo lhe é uma carga. Aqui as noções de exterioridade e do fardo entrecruzam-se: um fardo é-nos sempre exterior. Tudo o que levamos em nós, tudo o que somos (quer dizer, tudo o que amamos de verdade) não poderá ser carga para nós, ou pelo menos é uma carga alada que nos impele. O corpo não sente o peso dum órgão e nada nos é mais leve que essa enorme massa da atmosfera que nos esmagaria se não estivesse misturada com a fonte da nossa vida. O mesmo quanto a um ser ou a um dever a que estamos religados vitalmente... Mas tudo se torna carga para aquele a quem tudo é estranho, até a sua própria vida. Ser carga para si próprio; não há expressão mais adequada para designar o homem a quem a recusa do amor tornou exterior à sua própria essência.
Inúmeras locuções correntes traduzem esta oposição entre a interioridade do amor e a exterioridade do fardo. Dizemos dum ser amado: levo-o no meu coração. Assim não lhe pesa. Mas daquele que não amamos, e cuja presença nos pesa, dizemos, levo-o às costas.
Inúmeras locuções correntes traduzem esta oposição entre a interioridade do amor e a exterioridade do fardo. Dizemos dum ser amado: levo-o no meu coração. Assim não lhe pesa. Mas daquele que não amamos, e cuja presença nos pesa, dizemos, levo-o às costas.
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Não é a lei do menor esforço que nos guia, é a lei do menor valor. A nossa energia é inversamente proporcional à pureza dos motivos que nos levam a agir. Seríamos todos uns heróis se puséssemos ao serviço da verdade e do bem a força que diariamente despendemos na procura do mal e da mentira, se fizéssemos por ser, o que fazemos, tão facilmente, tão espontaneamente, por parecer.
Fonte: "O pão de cada dia" - Editorial Aster - Colecção Éfeso