sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A utopia

"Todo o bem real projeta algum mal: só um bem imaginário não projeta mal". Este pensamento de Simone Weil exprime uma verdade profunda. A linguagem corrente traduz a mesma ideia dizendo que "não há luz sem sombra".

Podemos sonhar e esperar uma felicidade absoluta ou uma perfeição sem mistura de imperfeições, mas não podemos alcançá-las. A vida real é sempre uma mistura de bens e de males e a melhor coisa tem sempre o seu lado negativo. Quem parte de férias para um pais meridional sonha com um céu sempre sem nuvens, com um mar tranquilo onde os banhos são uma delícia, com alimentos novos e saborosos, etc... Sem dúvida, encontrará tudo isso, mas experimentará também (e estas coisas não estavam previstas no seu programa de férias) os engarrafamentos de trânsito, dias de mau tempo e talvez mesmo algumas indigestões, devidas à cozinha exótica...

Os namorados pensam no casamento como numa lua-de-mel permanente e sem fim e pensam nos futuros filhos como numa alegre ninhada de pequenos seres encantadores e afetuosos. Na realidade, algumas cores escuras virão misturar-se a estas visões cor-de-rosa. Nem todos os casamentos são felizes e, mesmo nos melhores, há sempre uma parte de decepção e de provações. E quanto aos filhos trarão aos pais, juntamente com alegrias, um cortejo de preocupações e de dificuldades... O mesmo acontece com todas as outras circunstâncias da vida.

Por que razão há esta distância entre o que se deseja e o que se consegue na realidade? Muito simplesmente, porque os nossos desejos são indefinidos e as nossas capacidades de realização são muito limitadas.

Qualquer que seja a orientação que dermos à nossa vida, ela comportará sempre uma mistura de bem e de mal.

Por isso, a sabedoria consiste em escolher não só o maior bem, mas também o menor mal. E acontece, não raro, que a solução menos má ainda é a melhor. Schopenhauer dizia que os reis que começavam as suas proclamações por estas palavras: "Nós pela graça de Deus", estariam mais próximos da verdade, se escrevessem: "Nós, de dois males o menor". Com efeito, toda a autoridade comporta abusos e injustiças, mas o governo mais imperfeito ainda é preferível à anarquia.

A vida terrena é um caminho imperfeito para a perfeição que nos espera na eternidade. Este caminho torna-se rapidamente impraticável, se exigirmos dele a perfeição, que só será alcançada no termo. É neste sentido que lorde Acton dizia que "a sociedade se torna um inferno, na medida em que se quer fazer dela um paraíso". Se, ao pensar em casar, um homem sonha com uma esposa ideal e com filhos absolutamente sem defeitos, mais lhe vale ficar solteiro, para não ser um mau marido e um mau pai. E se, na vida profissional, uma pessoa não tolera nenhum fracasso nas suas empresas nem nenhum defeito nos seus colaboradores, todos os seus esforços ficarão estéreis. A experiência prova que não há homem mais insuportável que aquele que não sabe suportar nada.

São Tomás Moro descreveu numa obra célebre um Estado onde reinaria a justiça ideal e a felicidade absoluta. Mas situou esse Estado na ilha da Utopia, o que em grego significa o pais que não existe em parte nenhuma. Enquanto a nossa viagem terrena não chegar ao fim, devemos, portanto, tender para a perfeição, mas nunca pretender consegui-la.

Fonte: viriatos.blogspot.com