Compreender com o pensamento ou compreender com a alma. Verdades abstratas ou verdades incarnadas. Trata-se de saber se a nossa inteligência é um pano de cenário onde se projetam as idéias ou, pelo contrário, uma porta por onde as idéias penetram até ao fundo do ser. No primeiro caso, são apenas um espetáculo, e o espírito insaciado move-se de um lado para outro; no segundo, são um alimento, e podemos viver da mesma idéia até a morte como nos alimentamos cada dia do mesmo pão.
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Attentio, attentif (Atenção, atento) têm a mesma etimologia que attente (espera). A clarividência do espírito pressupõe coração aberto: aquele que nada espera é incapaz de prestar verdadeira atenção a coisa alguma.
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Ignorância, falsa e verdadeira ciência em face do mistério
A ciência humana é como uma chave. O ignorante não possui essa chave, mas pensa que ela abre tudo. O falso sábio possui-a, e supõe ter aberto tudo. O verdadeiro sábio possui-a plenamente, e sabe que ela não abre nada. O ignorante e o verdadeiro sábio coincidem, mas com esta diferença: o primeiro sente-se diante do impenetrado e o segundo diante do impenetrável.
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Explicação do pensamento
É necessário que um autor nos diga o suficiente para que possamos continuar por nós próprios o seu pensamento sem o trabalho de o adivinhar, mas não para que não tenhamos mais nada a encontrar por nossas próprias forças. É preciso que ele se detenha nessa "meia palavra" sutil, a partir da qual o entendimento de outrem se reveste dos encantos de uma descoberta pessoal. Deve iluminar e não demonstrar, dar-nos um impulso, mas não conduzir-nos até ao fim pela mão. O seu papel é entreabrir uma porta que nós acabaremos por empurrar. Há nisso um equilíbrio muito difícil de atingir, e, segundo que um autor peque por defeito ou por excesso de explicação verbal, assim nos parece hermético ou fastidioso (Mallarmé ou Victor Hugo).* * *
Não tomas nada a sério? Cuidado! Vais tomar a sério o nada...
Fonte: "O pão de cada dia" - Editorial Aster - Colecção Éfeso