domingo, 23 de janeiro de 2011

Juventude e violência (I)

[NA VIOLÊNCIA, A VELHICE DA JUVENTUDE
Um dos traços característicos de nossa época, é a rebeldia. Rebeldia contra a ordem, contra a razão, contra os valôres tradicionais. E vai um nada, da rebelião à violência, que se manifesta sob as mais variadas formas, nos mais diferentes setores, mais principalmente, em certas parcelas da juventude. Todo um processo se desencadeia a partir daí: a "enturmação" brutal a destruir a amizade; o sexo a esmagar o amor; a agressão a dominar nas concepções literárias e artísticas; o delírio da velocidade a atingir o paroxismo, etc. No artigo que segue, o autor disseca ESSA "VIOLÊNCIA VAZIA", EXPRESSÃO DE ENORME VÁCUO INTERIOR E DE IMPOTÊNCIA PROFUNDA, OPOSTA À "VIOLÊNCIA SADIA", FUNDADA NO BEM E DIRIGIDA CONTRA O MAL.]

"Os Jovens de agora são assim: pensam isto, querem aquilo" --- é o que se ouve dizer em tôda parte. Pois eu confesso que desconfio "a priori" dêsses mitos da juventude. Primeiro, por causa de sua excessiva simplificação: êles, na verdade, não se aplicam mais que a certa parcela da juventude, cuja importância é impossível avaliar. Segundo, porque são elaborados, a maior parte das vêzes, por adultos ou velhos que lançam sobre os "caçulas" a luz de suas esperanças ou a sombra de seus rancores.

A Juventude com um J maiúsculo não me impressiona mais que o Progresso com P grande. Mas que espécie de progresso e que jovens? Pois, graças aos céus e malgrado a influência crescente dos "mass-media" que tendem a substituir pelo protótipo mecânico o arquétipo ideal, a natureza que "se compraz na diversidade" não moldou todos os jovens na mesma fôrma. Um "fan" de Johnny Halliday e o autor da carta a André Maurois divulgada recentemente nas "Nouvelles Littéraires" nasceram na mesma época mas parecem não pertencer à mesma espécie. E entre êsses dois extremos todos os intermediários são possíveis.

A DOMINANTE DE NOSSA ÉPOCA: A REVOLTA

Existem, nas idéias e nos costumes, dominantes que são peculiares a cada época --- como, por exemplo, a libertinagem durante a Regência, o culto da Razão no tempo do iluminismo1, a apologia da sensibilidade e do irracional no século do romantismo, etc. Ora, uma das dominantes de nossa época é a revolta, em todos os domínios, contra os valôres tradicionais; revolta que se traduz pela exaltação e prática da violência.

Êsse fenômeno se observa em tôdas as ordens do humano e do social.

Na ordem da amizade, por exemplo. Em muitos meios, a amizade degenerou em camaradagem vulgar e brutal. A integração na turma (e tal palavra não significa necessàriamente uma associação de malfeitores) substitui a intimidade entre as pessoas e o intercâmbio de idéias e sentimentos. Ora, a turma busca muito freqüentemente distrações e aventuras mais ou menos sofisticadas de agressividade, e essa violência se multiplica em virtude do gregarismo. O aumento da delinqüência juvenil (blusões pretos ou amarelos) prende-se a essa corrupção do vínculo social. Um fenômeno tìpicamente moderno é o dos delitos coletivos cuja multiplicação causa apreensão aos criminologistas. Até no vício e no crime, observa-se essa absorção do indivíduo pela turma...

No plano da sexualidade, muitos jovens se presumem insensíveis, "libertos", e desprezam indistintamente não apenas a exaltação romântica ou o sentimentalismo sem graça das épocas precedentes, como também tudo o que se relaciona com a ternura ou com o ideal. O coração e a alma afiguram-se-lhes anacronismos e as relações sexuais reduzem-se, para êles, a "conjunções carnais" sem amor e sem mistério ou a manifestações elementares do desejo de potência. Seu ideal é o do macho, não o do amoroso. Observa-se evolução análoga entre certo número de môças cínicas e desavergonhadas, para as quais a rejeição incondicionada dos preconceitos substitui e suprime tôda reflexão.

O entusiasmo pelos esportes brutais e perigosos (praticados freqüentemente sem preparação e sem prudência) provém do mesmo estado de espírito. Penso aqui nos riscos gratuitos que assumem --- com inconcebível leviandade --- tantos jovens "mordidos" pelo alpinismo, pela espeleologia, pela natação, pela navegação a vela, e também nos perigos mortais a que êles expõem seus eventuais salvadores. E nesse delírio de velocidade (a porcentagem dos acidentes causados por jovens é de uma cruel eloqüência) que viola (entre pessoas aliás inofensivas) o mandamento eterno: "não matarás".

A moda artística e literária não escapa a essa falsa norma. Seu imperativo êssencial é surpreender, chocar, desnudar, ultrapassar todo limite e infringir tôda regra. Assistimos, em todos os domínios, ao desencadeamento da violência e da disformidade: danças selvagens, música epiléptica, cenas de histeria coletiva nas manifestações duma "vedette" da canção, sacrifício da palavra na poesia e da imagem e da cor na pintura, etc. Nem esqueçamos êsse fenômeno sociológico sem precedente que constitui o sucesso sempre crescente da literatura policial e dos filmes de terror, nos quais os instintos sádicos que habitam o coração do homem encontram cada dia que passa nôvo alimento.

[1] "Aufklaerung" --- iluminismo --- movimento cultural e intelectual que pretende dominar pela razão a problemática total do homem. Teve especial importância nos séculos XVII e XVIII.

Continua ...

Fonte: Revista Hora Presente (número 9 - Ano III, maio de 1971)