terça-feira, 22 de junho de 2010

Aforismos

Deus vivo? Os cristãos crêem no Deus vivo, mas, por vezes, apenas teoricamente; os ateus, por seu lado, negam-no, mas teoricamente também. Na verdade, se, na prática, os cristãos o aceitassem, e os ateus o rejeitassem, os primeiros seriam santos e os segundos, niilistas, o que nem sempre se verifica. Os cristãos não têm a coragem de seguir até ao fim---até a Cruz---o Deus em que crêem, como também a não têm os ateus, para evitar até ao fim---até ao nada---o Deus que negam. A mesma "prudência" sem alento sustém uns na sua ascensão e outros na sua queda, de modo que, na prática, confraternizam uns com os outros ao nível de uma moral de convenção---que, num e noutro caso, não passa de sombra morta do Deus vivo. É uma moral acolhida ou rejeitada apenas a meias.

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É prudente prever e lutar, uma vez que somos homens. Mas é também prudente não prever e deixar alguma margem à confiança, uma vez que somos apenas homens. O acaso---pseudônimo de Deus, quando não quer assinar---faz, por vezes, melhor as coisas, do que os mais seguros cálculos. Quer isto dizer que o acaso faz parte de uma ordem invisível: a ordem da Providência divina, que abrange e finaliza em si todos os acasos.

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Não há realização profunda, nem verdadeira fecundidade, sem risco e sacrifício. Quem se encerra nos seus próprios limites e não quer ser mais do que é, a si mesmo se atraiçoa e se perde, com risco de descer abaixo do que é.

A prudência consiste em saber escolher o próprio risco. O próprio e não o dos outros. Não se pode jogar ao mesmo tempo em todos os jogos. É necessário optar. Cada um traz em si mesmo a imagem do próprio destino, e deve-lhe obedecer. Mas é claro que dizer escolha, é dizer imolação. Visto deste ângulo, o argumento pascaliano da aposta reveste uma significação profundamente humana. Exprime, não o movimento do egoísmo e do terror, mas a angústia salutar de um ser que, na bela palavra de Claudel, não dispõe de uma alma sobressalente e procura o seu todo.

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O mito do seguro absoluto e universal dispara, em última análise, nesta impossível monstruosidade: uma previdência que julga poder dispensar a Providência!

Fonte: "A escada de Jacob" - Editorial Aster - Colecção Éfeso