segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fidelidade e traição

É um facto de experiência corrente que os contratos, os juramentos, os votos mais solenes, são em regra aqueles que menos se respeitam (refiro-me ao respeito interior e não ao comportamento social que se limita a "salvar as aparências da fidelidade"). Eu noto aí, antes um encadeamento lógico do que uma ocasião de escândalo. Não se fazem promessas senão na medida em que nos sentimos mais ou menos exteriores àquilo que se promete --- razão esta por que traímos tantas vezes!

Quando dois seres estão intimamente unidos um ao outro, não têm necessidade de jurar fidelidade mútua, porque esta se confunde com a sua existência. Pode conceber-se alguma coisa de mais ridículo do que uma mãe jurar a seu filho que o há-de amar sempre?

O voto e o juramento, por isso mesmo que fazem apelo a um princípio exterior à comunhão e ao amor, contêm já um gérmen de traição. O homem quanto mais necessidade tem de se apoiar numa promessa, tanto mais se sente inclinado para a renegar. Empenha o futuro com os lábios, porque não leva a eternidade no coração.

Fonte: "O olhar que se esquiva à luz" - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957