Parábola das aves do céu e dos lírios dos campos.
--- Certamente, a vida é mais alguma coisa do que o alimento, mas ela não pode subsistir sem nos alimentarmos e vestirmos. As aves do céu, "que não têm abrigo nem celeiro, e os lírios do campo, que não fiam nem tecem", sucumbem quando o rigor do Inverno suspende os benefícios da Providência. "Vosso Pai sabe aquilo de que necessitais". Mas apraz a Deus desviar o curso natural das coisas para satisfazer as necessidades dos seus eleitos? O mesmo sol e a mesma chuva não incidem igualmente sobre os justo e os pecadores? Estas objeções aumentam de peso, se pensarmos que os mesmos lábio divinos, que exprimem aqui a fé nas solicitudes temporais da Providência (os cabelos da vossa cabeça são contados... tudo o mais vos será dado por acréscimo...) deixarão cair mais tarde este grito desesperado: "Meu Pai, por que me abandonaste?" É mister pensar também que, se este "acréscimo" temporal prometido por Cristo fosse a recompensa automática do abandono à Providência, tal abandono perderia todo o seu valor sobrenatural e não seria mais que subterfúgio desta providência terrestre que Cristo condenou.
As palavras de Cristo significam apenas isso: não tenhais apego aos bens deste mundo e, se assim procederdes, tereis tanta probabilidade de os alcançardes como se fizésseis toda a diligência em adquiri-los, pois que o nosso destino, mesmo temporal, não depende exclusivamente dos nossos esforços ou nossa previdência, e o excesso de solicitude leva-nos muitas vezes ao revés como o excesso de negligência.
Por conseguinte, se deveis morrer, como as aves do céu e os lírios dos campos, nos dias de Inverno, que importa este acidente, visto que por vossa confiança tereis amontoado um tesouro inesgotável no céu? Esta última palavra é a chave da parábola. Por maiores que sejam os tesouros acumulados pela prudência carnal, todos eles se esgotam e frequentes vezes a nossa própria vida acaba antes. Um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, que importa? De que valem dias finitos e bens caducos? O Evangelho ensina-nos a arte de viver acima do tempo (e esta vida não depende do sustento e do vestuário) e não a arte de nos prolongarmos no tempo.
Fonte: "O olhar que se esquiva à luz - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957
--- Certamente, a vida é mais alguma coisa do que o alimento, mas ela não pode subsistir sem nos alimentarmos e vestirmos. As aves do céu, "que não têm abrigo nem celeiro, e os lírios do campo, que não fiam nem tecem", sucumbem quando o rigor do Inverno suspende os benefícios da Providência. "Vosso Pai sabe aquilo de que necessitais". Mas apraz a Deus desviar o curso natural das coisas para satisfazer as necessidades dos seus eleitos? O mesmo sol e a mesma chuva não incidem igualmente sobre os justo e os pecadores? Estas objeções aumentam de peso, se pensarmos que os mesmos lábio divinos, que exprimem aqui a fé nas solicitudes temporais da Providência (os cabelos da vossa cabeça são contados... tudo o mais vos será dado por acréscimo...) deixarão cair mais tarde este grito desesperado: "Meu Pai, por que me abandonaste?" É mister pensar também que, se este "acréscimo" temporal prometido por Cristo fosse a recompensa automática do abandono à Providência, tal abandono perderia todo o seu valor sobrenatural e não seria mais que subterfúgio desta providência terrestre que Cristo condenou.
As palavras de Cristo significam apenas isso: não tenhais apego aos bens deste mundo e, se assim procederdes, tereis tanta probabilidade de os alcançardes como se fizésseis toda a diligência em adquiri-los, pois que o nosso destino, mesmo temporal, não depende exclusivamente dos nossos esforços ou nossa previdência, e o excesso de solicitude leva-nos muitas vezes ao revés como o excesso de negligência.
Por conseguinte, se deveis morrer, como as aves do céu e os lírios dos campos, nos dias de Inverno, que importa este acidente, visto que por vossa confiança tereis amontoado um tesouro inesgotável no céu? Esta última palavra é a chave da parábola. Por maiores que sejam os tesouros acumulados pela prudência carnal, todos eles se esgotam e frequentes vezes a nossa própria vida acaba antes. Um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, que importa? De que valem dias finitos e bens caducos? O Evangelho ensina-nos a arte de viver acima do tempo (e esta vida não depende do sustento e do vestuário) e não a arte de nos prolongarmos no tempo.
Fonte: "O olhar que se esquiva à luz - Livraria Figueirinhas - Porto, 1957