Porque tenho fome de um Deus que não seja nem pura treva, nem eu mesmo, de um Ser que, embora intimamente parecido comigo, seja também tudo o que me falta.
Porque neste mundo quero abençoar tudo, sem nada divinizar.
Porque quero conservar ao mesmo tempo o olhar claro e o coração em chama.
Porque sinto que a aventura humana se dirige a algo diferente e melhor do que um desespero sem conteúdo, do que uma interrogação sem resposta, do que uma inércia vazia de sentido.
Porque quero conciliar a imensidade de amor que há em mim, com o desencanto tantas vezes provocado pela presença do homem.
Porque preciso de luz no mistério, e de mistério, na luz.
Porque quero ter, não só a força de construir e de viver, mas também a outra, que a transcende, de esperar, mesmo no desmoronamento e na morte.
Mas, se espero tudo, se creio tudo, como diz São Paulo, será apenas para tornar a vida mais suportável e para ser consolado? Sim. Também destas pequeninas necessidades pessoais se trata, quando nos sentimos ligados a todo o universo, responsáveis por todo o universo!
Na verdade, é a minha paixão do mundo que me faz cristão. É o meu respeito e a minha gratidão para com este destino que me sustenta e que se não identifica comigo.
Não me amo bastante, para escolher no céu um Deus conforme os meus desejos, mas amo bastante a vida, para não a julgar infinitamente bela, plena e justa, para não a confundir radicalmente com o Deus dos cristãos.
É como se vê, a transposição da aposta pascaliana, do sujeito para o objeto.
Fonte: "A escada de Jacob" - Editorial Aster - Colecção Éfeso